quarta-feira, 14 de maio de 2008

América Latina unida para debater política de drogas

A necessidade de formular um conjunto de recomendações que garantam voz à região na revisão das metas estabelecidas na Assembléia Geral da ONU de 1998 é a missão da Comissão Latino-americana sobre Drogas e Democracia. Lançada dia 30 de abril, no Rio de Janeiro, por Fernando Henrique Cardoso, ex-presidente do Brasil, a comissão é também liderada pelos ex-presidentes César Gaviria, da Colômbia, e Ernesto Zedillo, do México.



“As propostas elaboradas pela comissão serão apresentadas à opinião pública dos nossos países e à comunidade internacional. É necessário que a voz da América Latina seja ouvida no debate global sobre um problema transnacional que afeta a todos”, explicou Cardoso.



O ex-presidente afirmou que o aumento da criminalidade pelo tráfico de drogas reduz a confiança da população nas instituições, o que se transformou em uma “ameaça à própria democracia”. Os outros dois ex-presidentes também manifestaram sua preocupação com o fracasso das atuais políticas de combate às drogas.



Gaviria, presidente da Colômbia de 1990 a 1994, durante o período em que o traficante Pablo Escobar liderava o Cartel de Medellín, ressaltou que as drogas não devem ser vistas como um problema exclusivo das autoridades: “Não se trata de pôr em discussão se o controle (sobre as drogas) é necessário. Este assunto é um desafio às nossas democracias e precisamos de recursos sociais para enfrentar os problemas causados pelo narcotráfico. Por isso, os papéis da família, da escola e da medicina são muito importantes”, enfatizou Gaviria.



Por sua vez, o ex-presidente do México, que participou da última Assembléia Geral da ONU sobre drogas, reconheceu que a abordagem adotada faz dez anos é inadequada. Chefe do Estado mexicano no período de 1994 a 2000, Ernesto Zedillo, que participou do encontro por vídeo-conferência, chamou a atenção para a necessidade de formular propostas concretas de políticas alternativas. “Continuo convencido de que o narcotráfico não é apenas um flagelo para as nossas sociedades, mas também a maior ameaça à segurança pública dos nossos países”, concluiu.



Em 1998, as Nações Unidas estabeleceram o prazo de dez anos para resolver o problema da produção e do comércio de drogas no mundo. Segundo especialistas, apesar dos milhões de dólares investidos na guerra contra as drogas, a produção, o tráfico e o consumo de substâncias ilícitas só tem aumentado na região.



“Os gastos com o combate às drogas são enormes. É quase o mesmo valor gerado pelo comércio de drogas, que mobiliza aproximadamente US$ 60 bilhões. O combate custa US$ 40 bilhões e sua eficácia é relativa”, comentou Fernando Henrique Cardoso. “Queremos discutir como melhorar isto. Não é um problema fácil e deve ser enfrentado”, acrescentou.



Três regiões, três abordagens

Após a introdução dos ex-presidentes e a apresentação dos objetivos e agenda de trabalho da cmissão, Martin Jelsma, especialista em políticas de drogas do Transnational Institute – organização internacional com sede na Holanda – expôs o atual estado do debate na União Européia e na ONU.



“Está na hora de América Latina desenvolver sua própria resposta, independentemente da ideologia dos Estados Unidos que dominou o debate durante a última década”, afirmou. Jelsma destacou a experiência positiva de alguns países da Europa que adotaram a perspectiva da redução de danos. Não vai existir um mundo sem drogas. “Por isso, a política de tolerância zero está sendo substituída pela de redução de danos, que aproxima a população do tema”, acredita.



O especialista holandês explicou que a redução de danos inclui uma série de medidas que visam diminuir ao máximo os danos causados pelas drogas, como, por exemplo, a regulação de pequenas quantidades de droga e a substituição de seringas usadas por novas.



Por sua vez, Peter Reuter, da Universidade de Maryland, nos Estados Unidos, defendeu alternativas econômicas e concordou que a repressão não distancia os jovens das drogas. “Atualmente, há 500 mil pessoas presas por crimes relacionados às drogas nos Estados Unidos. É a mesma quantidade de todos os presos na Europa, incluindo todos os tipos de crime. Mesmo assim, o preço da heroína e da cocaína no país caiu, ao contrário do que se esperava”.



De acordo com o americano, o mercado das drogas não está sempre vinculado à violência. “Isto ocorre por problemas de segurança pública que já existem em países com altos índices de criminalidade, como Brasil, Estados Unidos, México e Colômbia”, afirmou.



Já para o antropólogo e diretor da ONG Viva Rio, Rubem César Fernandes, a guerra contra as drogas só tem aumentado a margem de lucro das organizações criminais que se expandem diante da fragilidade institucional da região.



Para o brasileiro, é necessária uma mudança no nível de governo e uma melhor comunicação com a sociedade, em especial com os jovens. “Nosso grande desafio é fazer a transição do coletivo para o individual e abordar o tema desde a perspectiva da redução de danos”, indicou.



Por uma voz em conjunto

A questão de como abordar o problema das drogas dividiu os membros da comissão. No entanto, foi consenso a idéia de que atual política de drogas é um fracasso e de que há necessidade de elaborar propostas para políticas mais eficientes, seguras e humanas.



César Gaviria, por exemplo, defendeu a discussão sobre a descriminalização do consumo das drogas. Para o colombiano, os instrumentos utilizados contra o álcool e o cigarro poderiam ser utilizados contra outras drogas. “Não é mais possível discutir (o tema) partindo apenas de uma perspectiva criminal, pois também se trata de um tema de saúde pública”, afirmou.



Fernando Henrique Cardoso acredita que a descriminalização é algo que deve ser discutido e aposta na redução de danos: “É necessário avaliar, pois não é tão simples. O que sabemos é que a repressão não resolve. A prevenção talvez seja mais eficaz”, ponderou.



Fernando Henrique também enfatizou que a atitude pública precisa mudar numa região onde os usuários são “demonizados” pela polícia e pela imprensa. “Os meios de comunicação têm um papel importante na apresentação de alternativas e podem motivar a solidariedade com os dependentes químicos”, observou.



Além dos três ex-chefes de Estado, 15 personalidades da região compõem a comissão, que inclui desde escritores e ex-juízes da Corte Interamericana de Direitos Humanos até jornalistas de vários países. Os participantes se reunirão novamente em setembro, na Colômbia, e no México, em fevereiro, quando deverão finalizar um documento para apresentar no encontro ministerial que conclui a revisão da ONU em março de 2009 em Viena, Áustria.



A comissão conta com o apoio do Instituto Fernando Henrique Cardoso (IFHC), Open Society Institute (OSI), Plataforma Democrática e Viva Rio.


Comunidade Segura.

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