segunda-feira, 19 de maio de 2008

Artigo - Júri soberano, por Cláudio Brito*

O ruim de se fazerem leis em tempos de cólera coletiva é o risco de se produzirem monstrengos perigosos em alguns casos ou o revés, normas inócuas, que iludem a sociedade atemorizada pelo crime. O povo é induzido a crer que o recrudescimento das penas e algumas reformas pontuais solucionarão o drama de nosso convívio com a criminalidade e a violência.

Bastou que o júri do Pará absolvesse quem antes fora condenado por mandar matar a religiosa Dorothy para que os deputados apressassem a votação que extingue o protesto por novo júri, direito dos réus condenados pelo tribunal popular a 20 anos de prisão. Verdadeiramente, precisava mesmo que se mudasse aí a lei processual. O que veio junto, no entanto, tem que ser bem medido, pois também se decidiu pela mordaça na tribuna, proibindo-se promotores e advogados de usarem nos debates a sentença de pronúncia e outras decisões das fases iniciais dos processos para julgar crimes dolosos contra a vida. A pronúncia deve ser uma decisão singela, breve, distanciada do mérito do caso em julgamento. Por ela é que o juiz determina a ida do acusado ao plenário onde será julgado pelos cidadãos jurados. Nada mais que isso. Para tanto, examina-se a existência do crime, provada sua materialidade. Indícios de que o réu seja o autor da morte ou tentativa de morte da vítima são suficientes para que seja pronunciado, mandado ao júri. As teses de defesa, os detalhes da acusação, tudo fica para depois. E agora se pretende proibir que a modesta sentença de pronúncia, apenas um passaporte para o júri, no dizer de Tourinho Filho, seja proscrita. Os debatedores nada poderão dizer aos jurados sobre ela, pois, entendem os legisladores, o contrário influenciaria os julgadores. Nunca vi nem ouvi falar de que houvesse um só réu condenado apenas pelo uso que o promotor fizera do conteúdo da pronúncia ou do recurso que a tivesse confirmado.

Se o começo de tudo, a denúncia, tiver descrito um homicídio qualificado, pode a pronúncia limitar-se a um homicídio simples e será esta a acusação final e possível de ser sustentada no plenário. E é justo que possa a defesa trabalhar com os argumentos e a motivação do magistrado que, na sentença de pronúncia, tiver reduzido o tamanho da pretensão do promotor. Pois, no meio das medidas aprovadas agora, está a que proibirá o uso desses dados no embate da tribuna.

Leva-se um punhado de anos discutindo propostas, depois deixa-se que elas adormeçam nos escaninhos dos parlamentos. Quando o clamor social chega aos cem graus e começa a ferver, então é uma correria para que a torcida se impressione. É preciso cuidado, há pacotes na prateleira que pretendem minorar a soberania do júri. E há propostas de emendas constitucionais que acabam com o tribunal da cidadania e da democracia, o júri soberano. Cuidado, não pode ser motivo de leis a dor de todos nós ante os casos criminais que tanto nos abalam.

*Jornalista


Zero Hora.

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