quarta-feira, 14 de maio de 2008

Artigo - O crime como um fato humano, por José Hermílio Ribeiro Serpa*

A convivência diuturna com apenados e com os operadores penitenciários (agentes, técnicos do tratamento penal, auxiliares penitenciários) suscita-me a necessidade de abordar, ainda que concisamente, o tema do crime, sua origem, sua natureza. Em primeiro lugar, o crime é uma conduta humana, descrita em lei, que, uma vez praticada por alguém, gera ao autor dela a pena da perda da liberdade, restrição de direitos ou multa, depois de lhe ter garantido, em processo judicial regular, o direito de defesa. Qual é o conteúdo desta conduta capaz de provocar uma ação tão contundente do Estado em termos de coerção? São condutas que violam os bens e valores mais respeitados pelos homens razoavelmente centrados no mundo, que respeitam a vida, a liberdade, a integridade física, a honra, o patrimônio, o decoro (a pudicícia) dos outros. Logo, a lei penal é uma norma protetiva da paz e do equilíbrio das relações interpessoais e, uma vez arranhada, pode provocar as sanções acima descritas.

Por que os crimes ocorrem, se o ser humano é a imagem e semelhança de Deus e, a par disto, é dotado de razão, que o ordena a agir sempre de acordo com a moral? Estou persuadido de que o crime é resultante de nossas fragilidades existenciais no plano dos desejos, pois, embora sejamos racionais, somos, por igual, seres desejantes, na medida em que, por vezes, não sabemos governar nossos apetites e não seguimos o mandamento bíblico: "Não sigas atrás de tuas paixões e detém-te frente a teus desejos, para que não sejas obrigado a pagar as suas custas", Eclesiastes, 18,30).

Ora, o crime e a prisão são os custos de nossa entrega a delícias exageradas. Numa linha profana (não religiosa), há o ensinamento do filósofo: "Age de tal modo que a máxima do teu agir possa se transformar numa lei universal", Imanuel Kant. O crime não pode ser universalizado, sob pena de inviabilizar a vida. Penso que, em face do avanço da criminalidade, na ordem de 10% ao ano, devemos redirecionar nosso combate a este flagelo, atuando como educadores em qualquer lugar em que estejamos: na família, na escola, no trabalho, no clube, na Igreja etc, incutindo a importância de uma vida moderada, e desestimulando a ocorrência do crime, que é um fato humano, "demasiado humano", como diria Nietzsche.


*Corregedor-geral da Susepe, procurador do Estado


Zero Hora.

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