segunda-feira, 5 de maio de 2008

Artigo - Onde estão os vossos acusadores?

Nos ensinamentos no Evangelho de São João, encontramos a parábola da mulher adúltera. Ao ser interpelado sobre como proceder com aquela mulher, Jesus responde aos escribras e fariseus: “Quem de vós estiver sem pecado, seja o primeiro a lhe atirar uma pedra. A essas palavras, sentindo-se acusados pela sua própria consciência, eles se foram retirando um por um (...)”(1).

Os argumentos de Cristo nos conduzem à reflexão acerca do papel do processo penal hodiernamente. Observamos a censura lançada sobre os possíveis assassinos de Isabella Nardoni e questionamos intimamente quantas isabelas não são vítimas de crimes, talvez até mais atrozes, todos os dias. Lembramos, ainda, do caso da criança, arrastada por metros enquanto presa ao cinto de segurança de um carro, por criminosos, durante um assalto.

Diante disso, percebemos que uma análise do processo penal “interessa ainda em maior medida à opinião pública.” Já ressaltava Carnelutti que “é comum os jornais se ocuparem da crônica dos delitos e dos processos. Quem os lê tem a impressão de que, produzem-se mais delitos do que boas ações.” Ora, “se os jornais se ocupam com tanta assiduidade dos delitos e processos penais é porque as pessoas se interessam por eles. A curiosidade do público incide de modo particular sobre os processos célebres. Esta é, também, uma forma de diversão. As pessoas se refugiam da própria vida, ocupando-se da vida umas das outras. E a ocupação nunca é tão intensa, como quando a vida dos outros assume o aspecto de um drama. O que há para se lamentar é o costume de se assistir ao processo da mesma maneira como se assiste a um espetáculo cinematográfico. A atitude do público para com os protagonistas do drama penal é a mesma da multidão de outros tempos, frente aos gladiadores (...)”(2).

A questão se torna ainda mais preocupante quando se percebe que os grandes processos afetam a questão da civilidade humana e que toda essa comoção e inconformismos sociais possuem prazo de validade pré-determinado e, que, alcançado, o caso Isabela Nardoni será incluído na estatística que aponta quantas isabelas foram mortas durante o ano de 2008.

O fato é, conforme assevera Carnelutti, tentar descobrir quem é mais bestial: o público ou o touro?

Cada indivíduo possui o livre arbítrio para escolher o caminho que deseja percorrer, assumindo as responsabilidades pelos possíveis erros cometidos durante a caminhada. O conhecimento dos transgressores, contudo, faz com que percebamos que não somos, em absoluto, melhores do que eles e que eles não são piores do que nós(3).

Já dizia Abrahan Lincoln que “podemos enganar parte do povo durante o tempo todo. Mas jamais poderemos enganar o tempo todo, todo o povo”,(4) até porque a Justiça do Tribunal da Consciência de cada um associada à Justiça Humana realizarão a exata dosimetria da pena a ser aplicada a qualquer transgressor.

Não é necessário que cada indivíduo levante a bandeira do inconformismo somente durante os processos penais de grande impacto social. Isto soa hipócrita. Pois, “se vimos outra pessoa fazer a mesma coisa e a julgamos, então essa peça de direito por nós julgada passa a valer como julgamento para todas as vezes que agimos de forma semelhante. Somos julgados por nosso próprio julgamento”(5).

O indispensável é que, no cotidiano, saibamos demonstrar o inconformismo diante de qualquer situação injusta e principalmente ter em mente que “a advocacia, a magistratura, a promotoria, a atividade policial não são um fim, mas um meio” pois “a justiça é que é um fim (...)”(6).

Notas:

(1) Evangelho de São João. Cap 8: 7-9

(2) CARNELUTTI, Francesco. As misérias do processo penal. Campinas: Edicamp. 2002. p. 2-3

(3) CARNELUTTI, Francesco. As misérias do processo penal. Campinas: Edicamp. 2002. p. 6

(4) Apud BOBERG, José Lázaro.O código penal dos espíritos: a justiça do tribunal da consciência. Capivari/SP: Editora EME. 2.ª ed. 2007. p.65

(5) BONDER, Nilton. Código penal celeste: prepare sua defesa diante do tribunal supremo. Rio de Janeiro: Elsevier. 2004. p.50-51

(6) LUCCA, José Carlos de. Justiça além da vida. São Paulo: Petit. 2001. p.15


Ana Caroline Mouta é acadêmica da Faculdade Estadual de Direito do Norte Pioneiro - Fundinop -Jacarezinho-PR.


O Estado do Paraná, 04/05/2008.

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