segunda-feira, 5 de maio de 2008

Artigo - A responsabilidade dos pais pelos filhos menores

Como regra geral, os pais são responsáveis pela reparação civil decorrente de atos ilícitos praticados pelos filhos menores que estiverem sob seu poder e em sua companhia. O atual Código Civil menciona os filhos que estiverem sob a “autoridade” dos pais, o que não muda o sentido da legislação anterior, dando-lhe melhor compreensão.

Não se trata de aquilatar se os filhos estavam sob a guarda ou poder material e direto dos pais, mas sob sua autoridade, o que nem sempre implica proximidade física. Entretanto, se sob a guarda exclusiva de um dos cônjuges se encontra o menor por força de separação, divórcio ou regulamentação de guarda, responderá apenas o pai ou a mãe que tem o filho em sua companhia. A regra, porém, não é inexorável e admite o detido exame do caso concreto: o menor pode ter cometido o ato ilícito, por exemplo, quando na companhia do genitor, em dia regulamentado de visita.

A responsabilidade dos pais deriva, em princípio, da guarda do menor e não exatamente do poder familiar. Quando, porém, o menor é empregado de outrem, e pratica o ato ilícito em razão do emprego, a responsabilidade é do empregador. Da mesma forma, se o filho está internado em estabelecimento de ensino, este será o responsável.

Essa responsabilidade tem como base o exercício do poder familiar que impõe aos pais um feixe enorme de deveres. Não se trata, destarte, exata-mente de um poder. Trata-se de aspecto complementar do dever de educar os filhos e sobre eles manter vigilância. Essa responsabilidade sustenta-se em uma presunção relativa, ou numa modalidade de responsabilidade objetiva, no vigente Código, o que vem a dar quase no mesmo. Há dois fatores que se conjugam nessa modalidade de responsabilidade: a menoridade e o fato de os filhos estarem sob o poder ou autoridade e companhia dos pais.

O antigo Código de Menores de 1927, no artigo 68, § 4º, complementava esse dispositivo, responsabilizando os pais ou a pessoa a quem incumbia legalmente a vigilância, salvo se provassem que, de sua parte, não tivesse havido culpa ou negligência. O Código de Menores de 1979 (Lei 6.697/79) revogou esse diploma anterior, não contendo dispositivo idêntico ao do artigo 68. O Estatuto da Criança e do Adolescente, ora vigente, não trouxe disposição nesse aspecto. O antigo Código de Menores apenas explicitara o dispositivo do Código Civil. A farta jurisprudência sobre o tema, sob a égide do antigo Código Civil, espancou qualquer dúvida quanto à responsabilidade paterna presumida. Desse modo, será negligente, por exemplo, o pai que permitir que o filho menor dirija veículo sem a devida habilitação.

Assim também o pai que não exerça sobre ele a vigilância, permitindo que venha furtar ou roubar. Somente estará isento do dever de indenizar se provar rigorosamente que não agiu com culpa, ou melhor, a nosso ver, provando que não há nexo algum de causalidade. A jurisprudência é rigorosa na inculpação dos pais. Segundo ficou totalmente assente pelos tribunais, há inversão de prova: incumbia ao pai, ao ser demandado, provar que não agiu com culpa no sistema de 1916.

O sistema persiste. No entanto, a liberalização dos costumes e o fato social de os filhos cada vez mais se distanciarem dos olhos e da guarda dos pais nas últimas décadas devem permitir um abrandamento da jurisprudência. É muito comum que as crianças e adolescentes vivam hoje grande parte de seu tempo em escolas, clubes e associações, sob a vigilância de outras pessoas que não os pais. Desse modo, há de se verificar no caso concreto, no momento do dano, de quem era efetivamente o dever de vigilância.

Por outro lado, há que se levar em conta a posição da vítima, o prejuízo a ser reparado e que raramente os menores terão patrimônio próprio para responder. Desse modo, a regra geral será a responsabilização dos pais pelos atos danosos dos filhos menores de qualquer idade; sua isenção deve ser vista como exceção. Nesse diapasão, deixa de ser relevante o exame da vontade do incapaz: se um menor de 3 anos ou de 17 anos de idade danifica o patrimônio alheio, o pai será o responsável, salvo, em síntese, se provar caso fortuito ou força maior.

A responsabilidade dos pais não pode ser afastada porque o menor ainda não tem capacidade de discernimento. Mais rigorosa deve ser a vigilância dos pais, quando os filhos não possuem ainda o mínimo discernimento.

Portanto, nessa relação de responsabilidade envolvendo pais e filhos, prepondera a teoria do risco, que atende melhor aos interesses de Justiça e de proteção à dignidade da pessoa. Aponte-se que existe solidariedade entre o filho menor e o pai ou mãe pela reparação do ato ilícito. Desse modo, o patrimônio do menor também responde pela reparação.

O Supremo Tribunal Federal já se manifestou no sentido de que a emancipação do menor não elide a responsabilidade dos pais (RTJ 62/108, RT 494/92). A emancipação é ato voluntário em benefício do menor; não tem o condão de obliterar a responsabilidade dos pais. Na doutrina, existem, porém, manifestações frontalmente contrárias a esse entendimento. A nosso ver, desaparece a responsabilidade dos pais quando a emancipação decorre de outras causas relacionadas no artigo 5º, parágrafo único, que não da iniciativa do pai ou tutor, como casamento, por exemplo.

Nesse campo da responsabilidade do menor, é importante que se acentue a guinada de posição tomada pelo vigente Código, pois em seu artigo 928 dispõe que o incapaz responde pelos prejuízos que causar, se as pessoas por ele responsáveis não tiverem obrigação de o fazer ou não dispuserem de meios suficientes. Desse modo, na lei atual não mais se aplica o princípio do artigo 156 do Código antigo. Os pais respondem primeiramente com seu patrimônio; se não tiverem patrimônio suficiente, poderá ser atingido o patrimônio do menor.

Entretanto, a atual lei menciona que nesse caso a indenização será eqüitativa e não terá lugar se privar do necessário o incapaz ou as pessoas que dele dependem (artigo 928, parágrafo único). No entanto, a redação deveria ser mais clara a esse respeito. O atual Código relega para o juiz o exame da conveniência da condenação e o montante desta. O princípio pode jogar por terra toda a construção jurisprudencial anterior e, a nosso ver, deve ser repensado, pois o risco de situações sem ressarcimento será grande.


Sílvio de Salvo Venosa: é professor e autor de várias obras de Direito Civil, consultor e parecerista na área.


Revista Consultor Jurídico, 5 de maio de 2008

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