segunda-feira, 19 de maio de 2008

Artigo - Uma arma a menos são muitas vidas a mais

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Carlos Alberto Morales Gaviria *



Medellín é a segunda cidade em importância na Colômbia, e é a capital do departamento de Antióquia. Da mesma forma que as demais cidades da Colômbia, ela enfrenta fenômenos como o narcotráfico, o conflito armado, a criminalidade comum e números elevados de desigualdade social e de pobreza. Medellín tem se caracterizado, nos últimos 20 anos, por ser uma das cidades com o maior índice de homicídios violentos em todo o mundo: em 1991 o índice era de 381 homicídios por cada 100 mil habitantes, número que foi decrescendo até chegar, em 2007, a 27 homicídios por 100 mil e uma redução muito significativa das mortes violentas.


Esse contexto provocou a decisão de um grupo de cidadãos de participar da política, permitindo a eleição, em 2004, de Sergio Fajardo Valderrama à administração de Medellín, como o primeiro prefeito sem ligações a grupos políticos tradicionais, e que, partindo da sua caminhada na academia, dá início à transformação social e política da cidade, com o plano de desenvolvimento “Medellín – compromisso de toda a cidadania 2004-2007”. Este permitiu implementar políticas, programas e projetos com o objetivo de reduzir os efeitos da situação vigente, em escala maior, partindo de um enfoque de participação cidadã, sendo que esta conseguiu aumentar a confiança dos cidadãos no exercício de um poder público que age com transparência.



O plano de desenvolvimento 2004-2007 deu origem a uma série de programas que favoreciam a segurança, a convivência e o crescimento de uma cultura cidadã, com o objetivo de melhorar as condições de vida de cada um dos habitantes de Medellin. E é aqui que nasce o programa Plano de Desarmamento Cidadão, que tem como meta prevenir a violência e contribuir para a redução das mortes violentas e dos ferimentos com armas, através da promoção de uma mudança da mentalidade cultural quando se trata do porte e da posse de armas. O plano promove a reflexão, através de debates públicos, sobre a problemática que as armas geram, a partir de estratégias pedagógicas, simbólicas, comunicacionais, de processos de participação social, de gestão pública e de controle policial dos portes e posses de armas, tudo apoiado na resolução pacífica e no fortalecimento do tecido social.



Na ótica do Plano Desarme, pensar no desarmamento é pensar na segurança humana e no desenvolvimento humano partindo da criação de redes de confiança entre as pessoas, tendo em mente que a diminuição do número de armas em circulação nas mãos de particulares previne, a longo prazo, a geração de conflitos e o uso dessas armas para sua solução. E assim se progride para que uma sociedade viva sem medo, uma sociedade na qual as pessoas se libertam da necessidade de andar armados, para que menos pessoas morram por causa das armas, e dessa forma aumente a esperança de vida de uma sociedade.



O programa, uma experiência de ações pedagógicas



A implementação de um Plano de Desarmamento na cidade de Medellin e nos municípios que integram a Região Metropolitana do Vale de Aburrá foi possibilitada por um convênio entre a prefeitura de Medellín, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) e a Região Metropolitana, durante o período 2004 -2007, e tinha o objetivo de desenvolver políticas de prevenção da violência partindo do desestímulo ao porte e à posse de armas.



Para atingir tal objetivo, se construiu e se desenvolveu um modelo participativo que havia colhido, articulado e alimentado experiências sobre iniciativas de desarmamento, executadas em momentos anteriores ao período atual, tendo consolidado uma proposta de mobilização social com diferentes atores, que incluía a administração municipal, as ONGs, a igreja, organizações policiais, sociais e comunitárias. Do mesmo modo se desenvolveu um plano de sensibilização com esses atores e a nível interno, na administração pública municipal, promovido nas Comissões Locais de Governo, integradas pelos inspetores de polícia, o comissário de família, o comandante de polícia e o especialista social da Secretaria de Governo, comissões essas instaladas nas subprefeituras da cidade, assim como pelos diretores dos núcleos de educação.



A construção de um modelo integral incluiu a execução de uma estratégia pedagógica, incluiu o desenvolvimento de uma metodologia partindo da sensibilização e informação cidadã, aplicando o seguinte ciclo: sensibilização, conhecimento, práticas ante o desarmamento e atitudes ante o desarmamento. Esse ciclo pedagógico foi um aspecto chave do programa, pois estimula as pessoas a pensar sobre assuntos estruturais, como a segurança e a convivência, ainda que vivendo em uma cidade na qual o conflito social e a violência ainda não desapareceram totalmente.



No contexto de execução desse modelo se realizam processos pedagógicos em instituições educativas, e a utilização de dispositivos simbólicos como palco para que as pessoas que querem uma sociedade sem armas expressem sua repulsa e seu compromisso em favor do desarmamento, por meio de passeatas cívicas, de apresentações musicais, de danças, de jogos envolvendo o problema, campanhas fotográficas, e troca de brinquedos bélicos e de armas brancas por peças promocionais do projeto. Esses atos e esses processos são acompanhados e reforçados por campanhas de comunicação e material promocional, tais como folhetos informativos, adesivos, spots radiofônicos, painéis publicitários, cartazes, fitas de pulso, sacolas, entre outros. Esses procedimentos reúnem e convocam as pessoas em geral para trabalhar na consolidação de uma sociedade sem armas.



Os jovens e as jovens de instituições e organizações educacionais são os beneficiários principais e também promotores de iniciativas relacionadas com o desarmamento; eles tem se interessado em participar do programa, pois este lhes proporciona um palco no qual podem manifestar sua oposição ao uso de armas, o que em muitos casos não podiam expressar livremente em razão da pressão constante de atores armados. Essa característica da participação cidadã é bastante significativa, pois a decisão de participar do programa tem como motivação a esperança de superar a violência e o conflito social e político.


A ação política da Câmara Municipal foi decisiva para a consolidação do Plano Desarme. Esse processo provocou um debate público e político em torno do desarmamento, e permitiu que este fosse aprovado como política pública para prevenção da violência no ano de 2007. Ao mesmo tempo que esses eventos políticos, se desenvolveram os processos comunitários e sociais, pensando na sustentabilidade do Plano Desarme, em articulação com outros temas, como gênero, juventude, cooperação e desenvolvimento, o que o tornou um tema de debate eleitoral e de inclusão nos planos de desenvolvimento para o período 2008 – 2011, que está em processo de discussão e de aprovação.



O planejamento do desenvolvimento da cidade e a integração do programa Plano Desarme nos diferentes planos de desenvolvimento setorial, zonal e municipal é um dos desafios fundamentais; deseja-se inseri-lo nos esquemas de desenvolvimento local e comunitário, como por exemplo o Orçamento Participativo e a criação de iniciativas cidadãs em torno do desarmamento, e que são fundamentais para a sustentabilidade e a manutenção do programa.



No contexto internacional, ações têm sido desenvolvidas para prevenir, combater e eliminar o tráfico ilegal de armas em todos seus aspectos, mas, a despeito dessas iniciativas globais, o controle verdadeiro sobre as armas tem sido adiado. Todavia, a Colômbia conta com um marco legal próprio, e avançado, sobre esse controle, que, no entanto é ineficiente na sua aplicação.



Aprendendo, pensando e propondo, juntos, um Plano de Desarmamento



Graças ao programa foram alcançados resultados, como a mudança de atitude em muitas crianças e jovens relacionada ao imaginário simbólico das armas, o fortalecimento das bases da cultura cidadã e a contribuição para a redução do número de homicídios na cidade e nos municípios do Vale de Aburrá.



Também se conseguiu o reconhecimento institucional por parte da comunidade de modo geral. O apoio da igreja, dos órgãos de segurança, dos sindicatos e das ONGs ajudaram a aumentar o impacto sobre a população beneficiada, o que, por outro lado, permitiu que o programa ganhasse credibilidade.



Apesar dos recursos econômicos serem insuficientes para garantir a execução do processo com mais ampla cobertura, o Plano Desarme conseguiu administrar o apoio de diferentes atores locais, nacionais e internacionais, e também pensar em processos mais amplos e de mais longo prazo, e com isso obteve os seguintes resultados:



- O Plano é criado pelo Conselho de Medellín como política pública municipal de prevenção da violência, pelo Acordo Municipal 06 de 2007

- 607.140 pessoas beneficiadas entre crianças, jovens e adultos

- Seis subprefeituras incluíram em seus orçamentos participativos iniciativas relacionadas com o desarmamento cidadão.

- 250 instituições educacionais foram beneficiadas.

- Mais de 100 organizações sociais, comunitárias, sindicais e de juventude participaram do plano.

- 10.300 brinquedos entregues por crianças.

- 223.718 armas brancas acauteladas das quais 80 mil foram destruídas em 2005.

- 3.526 armas de fogo confiscadas, 16.300 armas de fogo acauteladas com licenças, e 6.276 armas de fogo sem licença acauteladas.



Esse caminho percorrido precedeu fases posteriores, nas quais as pessoas geraram processos de criação de redes sociais contra o desarmamento, e o desenvolvimento de campanhas de coleta de armas, processo iniciado com a mudança cultural e de sensibilização, para logo chegar à consolidação de um projeto de desarmamento cidadão.



Os desafios são muitos a longo prazo, mas aprendemos a caminhar passo após passo, e por isso esse processo de continuidade do Plano Desarme no período 2008-2011 corresponde aos resultados positivos e à continuidade do desenvolvimento que a administração municipal começou em 2004. A eleição de Alonso Salazar Jaramillo como prefeito para esse período e seu anteprojeto do plano de desenvolvimento “Medellin é solidária e competitiva” pretende o desenvolvimento integral para superar a pobreza, provocar a inclusão social, política, econômica e cultural. E neste contexto, a questão do desarmamento cidadão pretende o seguinte:



- Criar redes sociais articuladas, massa crítica em volta da questão do desarmamento

- Iniciar campanhas de coleta de armas de fogo

- Desenvolver sistemas de informação sobre as armas

- Desenvolver projetos de pesquisa sobre as armas

- Continuar promovendo uma agenda articulada com a Polícia Metropolitana para o controle dos portes e posses de armas

- Continuar os processos pedagógicos, os atos simbólicos e comunicacionais para conseguir cobrir todas as instituições educacionais da cidade

- Documentar, publicar e divulgar a experiência do período 2004 – 2007



O desarmamento cidadão é possível nas sociedades comprometidas com o desenvolvimento sustentável destinado a reduzir a pobreza, articulado com políticas de segurança e de convivência dedicadas a incrementar a credibilidade e a confiança dos cidadãos nas instituições do Estado. A construção democrática de iniciativas em torno do desarmamento passa por propostas de sensibilização pedagógicas e simbólicas, que transcendem o empoderamento cidadão, e no exercício de novas formas de participação, que progridam na elaboração do tecido social em cada um dos bairros da cidade.


Conscientes das dificuldades que é preciso enfrentar ao viver em um contexto de violência, com uma corrida armamentista proporcionada por diferentes atores legais e ilegais, e com o círculo vicioso no qual estão submersos os organismos de controle – em conseqüência da falta de ações reais que restrinjam o comércio internacional de armas – é preciso promover o desarmamento com a participação cidadã. É indo nessa direção que o Plano Desarme cidadão ultrapassa a simples entrega de armas.


* Coordenador do Plano de Desarmamento de Medellín


Comunidade Segura.

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