sexta-feira, 23 de maio de 2008

Combalido judiciário brasileiro sofre com falta de reformas

A absolvição do homem acusado de assassinar a freira norte-americana Dorothy Stang, neste mês, foi mais um golpe na imagem do judiciário brasileiro, afetada pela corrupção, a impunidade e a lentidão. Há reformas em algumas áreas do direito brasileiro, mas o Judiciário do país continua sendo um dos mais sobrecarregados e complicados do mundo, cada vez mais em descompasso com a economia moderna e próspera do Brasil.

Muitos perdem a fé no Estado de direito diante dos casos de nepotismo, corrupção e incompetência. A impunidade também é grande --estima-se que apenas entre 2 e 10 por cento dos homicidas sejam julgados.

Explorando brechas jurídicas, o fazendeiro Vitalmiro Bastos, que já havia sido previamente condenado pelo assassinato de Stang em 2005, conseguiu ser absolvido no novo julgamento no começo de maio. Pela lei brasileira, réus condenados a mais de 20 anos de prisão têm direito a um segundo julgamento.

Muitos brasileiros --inclusive o presidente Luiz Inácio Lula da Silva-- acham que isso acabou livrando um assassino. "Estou obviamente ultrajado com o resultado. Acho que ele depõe um pouco contra a imagem do Brasil no exterior."

A freira Stang, que fazia campanha pelos direitos fundiários, foi assassinada no Pará por causa de uma disputa de terras.

Reforma Ineficaz

Apesar das repetidas tentativas de melhorar o Judiciário brasileiro, os tribunais continuam caóticos e ineficazes. "Os resultados da reforma judicial não são o que esperávamos", disse o secretário de Reforma do Judiciário, Rogério Favreto, que ocupa um cargo criado no governo Lula para tentar simplificar a tramitação do direito.

Favreto disse à Reuters que parte do problema é a existência de uma forte "cultura do confronto" nos tribunais e as longas demoras provocadas por regras que impedem acordos extra-judiciários e permitem recursos quase infinitos.

Cerca de 20 milhões de processos atravancam os tribunais, alguns tramitando há décadas. O Supremo Tribunal Federal julgou 22.257 processos em 2007 --a Suprema Corte americana em um ano julga cerca de 70.

Para Julita Lemgruber, professora da Universidade Cândido Mendes (Rio), a escassez de defensores públicos em vários Estados perpetua um sistema em que existe uma Justiça para os ricos e outra para os pobres. "Se você é rico, a legislação lhe permite muitos recursos", disse ela.

Um caso famoso é o do jornalista Antônio Pimenta Neves, que continua em liberdade apesar de já ter sido condenado a 19 anos de prisão pelo assassinato da sua namorada, em 2000.

Bom para as empresas

Para empresas e investidores estrangeiros, as reformas destinadas a acelerar a tramitação da Justiça Cível, em 2006, foram positivas.

Segundo o advogado paulistano Wilson Mello, o prazo para a recuperação judicial de dívidas caiu de cinco para dois anos. "Isso ajudou o país, porque se você é um banco isso reduz seus custos e tem um impacto direto sobre os juros", afirmou Mello, do escritório Machado, Meyers, Sendacz & Opice.

Favreto, de 42 anos, emana energia e entusiasmo quando fala de recentes avanços, como a criação de um teto salarial para juízes em 24,5 mil reais, e a melhoria no acesso dos mais pobres aos juizados especiais de causas comuns (antigos tribunais de pequenas causas), nos quais não é preciso constituir advogado. Mas ele admite que a enormidade da tarefa e os interesses em jogo dificultam qualquer progresso mais rápido.

Na semana passada, o Congresso aprovou novas reformas no código penal. De acordo com a agência Globo, 15 por cento dos 513 deputados estão sob investigação policial. Em troca de apoiar uma reforma, os deputados querem o direito de serem julgados apenas pelo Supremo Tribunal Federal. "Há uma enorme oposição --parlamentares e advogados, e mesmo alguns promotores que se beneficiam das táticas dilatórias", disse Favreto.

Os projetos aprovados restringem o uso de provas irrelevantes ou obtidas fraudulentamente, e também reduz os casos em que o réu pode apresentar objeções e recursos. Além disso, fica abolido o segundo julgamento automático para réus condenados a mais de 20 anos.

"Nosso julgamento pelo júri é um circo, e isso muitas vezes beneficia os criminosos", disse Favreto.


Gazeta do Povo.

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