sábado, 24 de maio de 2008

Entrevista - Luiz Paulo Guanabara - Do antiproibicionismo à legalização

Antiproibicionismo ou defesa da legalização das drogas? Nesta entrevista da série “Ativismo e Política de drogas”, o psicólogo Luiz Paulo Guanabara, diretor-executivo da ONG Psicotropicus, fala da diferença entre ir de encontro a uma política e propor alternativas a ela.



Há cinco anos no comando da instituição – que conta também com um conselho formado por médicos, cientistas sociais, psicólogos e filósofos, Guanabara defende a legalização das drogas como estratégia de paz e deixa claro: “A maconha deveria ser vendida na feira mesmo. As plantas têm que ser vendidas em feiras.”



Quais são as ações da Psicotropicus no sentido de mudar a política de drogas no Brasil?



Já fizemos duas campanhas (2004 e 2005) e trabalhamos também com redução de danos, um projeto que se chama Hepatite no Canudo. Para isso fizemos uma pesquisa para conhecer melhor quem são os usuários de cocaína aspirada e apresentamos os resultados da pesquisa na Conferência Internacional. Lançamos material institucional, promovemos debates, sempre apoiamos e participamos da organização da Marcha da Maconha.



Como relacionar legalização das drogas e paz dentro da perspectiva de direitos humanos?



Quando se proíbe um produto ou produtos para os quais existe uma forte demanda da população se gera, como foi com a Lei Seca, um mercado paralelo, cujos lucros são astronômicos. Esse mercado paralelo fica cada vez mais rico, mais poderoso e mais difícil de ser detido.



E como fica a abordagem pela ótica da saúde?



Se alguém tem um problema real com drogas, ele deve ser tratado por médicos e psicólogos. Essa pessoa não precisa ser tratada pela polícia ou por um juiz. Um dos males da proibição é a discriminação de usuários de drogas no serviço de saúde ou o próprio medo de dizer que é usuário. Isso pode prejudicar o tratamento de qualquer coisa, porque é uma informação importante para o médico, por exemplo. Isso faz com que a saúde seja menos acessível aos usuários de drogas.



A Psicotropicus defendia o antiproibicionismo no início de suas atividades. Hoje o lema da organização é Legalização e Paz. Qual é a diferença entre um e outro?



Ser antiproibicionista é ir de encontro a alguma coisa, enquanto defender a legalização é mais propositivo. Queremos buscar caminhos para reformas das políticas de drogas e nas leis. E a paz é porque a gente vive uma guerra global às drogas, e contra os usuários de drogas e queremos mudar essa situação.



Hoje, depois de cinco anos de Psicotropicus, minha visão do que se deve fazer mais objetivamente é de que se deve trabalhar por alterações nos documentos da ONU, que rege o sistema de controle global de drogas. Trabalhar no nível da mudança pela informação honesta, não a produzida pelo governo norte-americano dos anos 20, que é hipócrita. Os EUA são os principais responsáveis pela situação das drogas no mundo hoje, pela política proibicionista, que é um fracasso do ponto de vista da saúde pública e da violação dos direitos humanos.



A organização apóia a Marcha da Maconha. Qual é a importância da marcha para o debate sobre drogas?



Entre as drogas proibidas, a maconha é um caso especial. Tem um potencial econômico enorme, propriedades industriais, alimentícias e farmacêuticas, além de causar um efeito no cérebro. E a maconha não causa overdose, dificilmente você vai encontrar alguém internado – que é uma medida extrema – ou numa reunião do Narcóticos Anônimos que esteja lá por causa de maconha. Então a maconha é uma substância particular nesse balaio de gatos onde foram colocando as drogas hoje ilícitas. A maconha deveria ser vendida na feira mesmo. As plantas têm que ser vendidas em feiras.



Recentemente, os organizadores da Marcha foram presos. O que isso significa para outros defensores da legalização?



Os organizadores da Marcha foram presos porque estavam colando cartazes e distribuindo filipetas, essa prisão é um acinte, um absurdo, uma agressão, de uma irracionalidade. Como se não tivéssemos no país liberdade de expressão. Os organizadores foram acusados de apologia, que não existe, é uma falácia.



Mas porque o senhor acha que isso aconteceu?



Trabalhar com drogas é difícil porque as pessoas têm uma visão errônea, equivocada e preconceituosa sobre o que são drogas. Os meios de comunicação utilizam de forma equivocada a palavra ‘droga’ e criam o impasse: drogas legais, ilegais e controladas. Isso também gera uma grande confusão, porque as pessoas que bebem, acham que não estão se drogando.



Somos uma sociedade drogada, todo mundo se droga, só que alguns foram classificados por sujeitos que acham que podem tutelar o que as pessoas podem colocar em seu corpo. É uma questão muito complexa e não é mais uma questão brasileira, é definitivamente um problema global.



O que pode ser feito para sensibilizar os organismos de segurança pública para que dêem um tratamento mais humano ao usuário de drogas?



Normalmente o que acontece é que é uma política se segurança pública classista, ou seja, a impressão que dá é que se você é um usuário favelado, você é sempre um traficante, enquanto que em Ipanema (Zona Sul do Rio) a polícia não acha que você está vendendo.



O problema é a criminalização da pobreza. O que a gente tem feito e pretende fazer é sensibilizar a população em geral para que as pessoas se dêem conta de que a proibição das drogas é História Contemporânea e de que o sistema de controle de drogas está defasado.



A nova lei de drogas flexibiliza os critérios para punição dos usuários, mas ainda criminaliza o uso de drogas. Na sua opinião, mudou alguma coisa?



As leis demoram um pouco pra fazer efeito... Na verdade, o usuário não foi descriminalizado, as penas é que foram reduzidas. O que acontecia é que, por causa de outras leis, o usuário já não era preso, pois usar drogas é considerado crime de menor potencial ofensivo. O problema aí é como definir o critério de distinção entre o que é comércio e o que é uso próprio.



E se a opção fosse a legalização, como deveria ser esse processo de transição?



Eu acredito que o uso de drogas deveria envolver receita médica. As drogas sempre foram do âmbito da medicina, que sempre usou droga, chás ou drogas sintéticas em como substâncias curativas.



Seria preciso também redirecionar as verbas jurídico-policiais para saúde e educação. Provavelmente num primeiro momento haveria um aumento no consumo, mas enquanto isso, se faria campanhas maciças, honestas, nas escolas, trabalhando as pessoas que ainda não usam drogas e tratando as pessoas que vão usar compulsivamente.



Este ano a ONU está revisando sua política de drogas. Como isso influencia o trabalho de ativistas que lutam pela legalização ou descriminalização das drogas?



Esse sistema de controle global, comandado pela ONU, e os documentos que o regem - dos quais a maioria dos países do mundo é signatária - estão defasados. O último é de 1988, ou seja, estão fora da realidade. Esse sistema de controle não deu certo porque o que se vê é uma demanda cada vez maior, maior oferta, mais mortes, mais overdose, mais problemas. Não há ainda dados positivos em relação a isso.


Comunidade Segura.

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