sexta-feira, 2 de maio de 2008

Legalização da maconha em marcha





O encontro é anual: desde 1999, no primeiro fim-de-semana de maio, defensores da legalização da maconha saem às ruas para protestar contra a proibição da cannabis sativa. Este ano, a Marcha da Maconha acontece simultaneamente em 237 cidades do mundo, entre elas dez capitais brasileiras.



A realização de um evento desse porte pode sugerir que hoje há mais espaço para que os ativistas que defendem a legalização das drogas expressem sua opinião sobre o assunto. Entretanto, nem tudo são flores – ou plantas. No Rio de Janeiro, duas semanas antes da Marcha, alguns dos organizadores foram detidos pela Polícia Militar sob acusação de apologia às drogas. Como a acusação não se sustentou na lei, os detidos poderão participar da passeata, que acontece domingo, dia 4 de maio.



“Estamos cientes de que não vai ser a Marcha a propulsora da legalização da maconha. Nosso objetivo é discutir o direito à manifestação e fomentar o debate em torno do assunto drogas”, afirma um dos organizadores da Marcha, que preferiu não se identificar. “O problema das drogas no Rio tem um papel muito grande na violência da cidade, que se reflete em vários pontos da sociedade e essa é a maior importância dessa manifestação.”



“O que fazemos é defender a mudança da legislação, exatamente o que o movimento pela pena de morte e pela legalização do aborto faz. A atual legislação sobre drogas é ineficaz, falida e produz muito mais problemas que soluções.”, critica Renato Cinco, do Movimento Nacional pela Legalização das Drogas. “Não estamos dizendo que as drogas devem fazer parte da vida das pessoas, estamos dizendo que seus efeitos devem ser combatidos com políticas de educação e saúde.”



O efeito contrário



Em 2008, a Convenção das Nações Unidas sobre Drogas completa dez anos e passa por uma revisão devido ao fracasso em reduzir o consumo e ao aumento nos índices de violência relacionada ao comércio de drogas ilícitas no mundo.



Apesar das leis internacionais de controle de drogas ilícitas, baseadas na política proibicionista da ONU, o relatório anual de 2007 da Junta Internacional de Fiscalização de Entorpecentes (Jife) parece apontar justamente para a ineficiência dessa política. Segundo o documento, a maconha é a droga ilícita mais consumida na América Latina por estudantes secundaristas. No Brasil, ela fica em segundo lugar: perde para as inaláveis.



“A proibição não é uma forma de prevenção, não é uma política pública de saúde. Ela gera um mercado lucrativo ilegal que só beneficia a criminalidade”, analisa Cinco.



A lei no Brasil



O Brasil aprovou em 2006 a Nova Lei de Drogas, que flexibiliza as penas para o consumo de drogas ilícitas, o que não significa que seus consumidores estejam a salvo de penas. Se é verdade que ninguém deve ser preso por usar substâncias entorpecentes ilícitas, a verdade é que há penas previstas para isso, que variam de pagamento de cestas básicas ao desagravo de juiz.



No entanto, a lei não estabelece critérios claros sobre o que determina um usuário e um vendedor de drogas (as quantidades que implicariam cada caso não estão especificadas) e a avaliação fica a cargo do policial que flagra o uso ou porte da droga ilícita.



Para Mauricio Fiore, pesquisador do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre Psicoativos (Neip), como a lei não estabelece um contexto específico para a definição de traficante e usuário, esse contexto pode ser forjado por um policial que decida abusar de seu poder. Assim, esse profissional deve ser treinado e qualificado. "A primeira coisa é uma qualificação ética. Do ponto de vista prático, se deve fazer uma capacitação principalmente em relação a pessoas de baixa renda, que muitas vezes são vistos como traficantes, ainda que sejam usuários", explica.



Enquanto alguns defendem que isso resulta em penas mais pesadas para aqueles que têm o estereótipo de quem a polícia considera criminoso, outros enxergam como um primeiro passo para a descriminalização do uso de outras drogas, além das que já são comercializadas legalmente, como o tabaco e o álcool.



“Descriminalizar uso e manter o tráfico proibido não é solução para o problema da violência, mas sim dos usuários. Com certeza é um avanço, mas manter o comércio proibido é o que causa a violência”, avalia Cinco.



Por conta disso, ele defende que apenas a legalização regulamentada poderia combater com eficácia a violência associada ao comércio de drogas e, no caso da maconha – que ele lembra que é uma planta – ele vai além: “A maconha deveria ser legalizada em todo seu ciclo, desde a produção ao consumo. E quando falamos em legalizar, é diferente de liberar. Queremos legalizar e regulamentar, como toda droga legal.”



Mas essa não é única visão em relação ao tema. A psicóloga Daniela Piconez e Trigueiros da Rede Brasileira de Redução de Danos e Direitos Humanos (Reduc), por exemplo, acha que droga é questão de saúde e defende não a legalização em si, mas a descriminalização do usuário.



"O Brasil precisa se preparar para uma legalização. O próprio movimento não é coeso quando se fala de legalização. E um passo importante para isso é a descriminalização do usuário de drogas, pois a droga não é uma questão só de policia, mas de saúde", conclui.



Maurício Fiore tem opinião parecida. "Não acho que uma política de legalização esteja próxima no Brasil, mas também não acho que seja utópica. O que eu acho possível é o adensamento do debate público, através da academia e dos movimentos sociais, principalmente para aproximar os legisladores de uma realidade da qual, na verdade, eles estão muito distanciados."



Comunidade Segura.

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