terça-feira, 27 de maio de 2008

ONG denuncia novos abusos de crianças por tropas de paz

Crianças que vivem em áreas atingidas por conflitos ou desastres continuam sofrendo abuso sexual por parte de funcionários de ONGs e membros de tropas de paz, sugere um relatório divulgado nesta terça-feira pela entidade britânica Save the Children.

Intitulado Noone to turn to - The under-reporting of child sexual exploitation and abuse by aid workers and peacekeepers (Ninguém a quem recorrer - A pouco denunciada exploração sexual infantil por funcionários de ONGs e tropas de paz), o documento é resultado de entrevistas feitas em 2007, com 341 crianças na Costa do Marfim, sul do Sudão e no Haiti.

O relatório diz que as vítimas dos abusos são crianças de ambos os sexos, com idade a partir dos seis anos.

Entre os abusos relatados pelas crianças entrevistadas estiveram estupro, prostituição infantil, escravidão sexual, pornografia, troca de sexo por comida, tráfico infantil para sexo e exposição a indecências.

O relatório não identifica as organizações envolvidas nos incidentes, mas afirma que "os que cometem os abusos podem ser encontrados em todo tipo de organização de paz e segurança, entre funcionários de todos os níveis e entre trabalhadores recrutados local e internacionalmente".

O documento ressalta que as tropas de paz da ONU "são uma fonte particular do abuso em várias localidades, especialmente no Haiti e na Costa do Marfim.

Segundo a autora do documento, Carina Charky, a principal razão pela qual os abusadores não são identificados é o medo das crianças de represálias.

"Para fazer essa pesquisa tivemos que criar um nível de confiança grande com as crianças e prometemos que não levaríamos adiante os casos de abuso que elas identificaram", afirmou Charky.

Impunidade

O documento ressalta que o aspecto mais chocante do abuso sexual é que a maioria dos casos não é denunciada e que os responsáveis seguem impunes.

Uma adolescente de 13 anos que vive na Costa do Marfim contou sua experiência à BBC. Ela conta que foi estuprada por um grupo de dez soldados de paz da ONU, que a deixaram no chão, sangrando, tremendo e vomitando.

Nenhuma ação foi tomada contra os soldados.
Em um caso relatado no documento, uma adolescente de 15 anos no Haiti contou que durante um passeio em um parque, ela e as amigas encontraram dois funcionários de agências humanitárias.

"Eles nos chamaram, mostraram seus órgãos genitais e ofereceram cerca de dois dólares para que fizéssemos sexo oral. Eu não aceitei, mas algumas das minhas amigas aceitaram pelo dinheiro", contou.

Segundo o documento, a maioria dos casos não é denunciada porque as pessoas temem em ficar em uma situação ainda pior.

"As pessoas não denunciam porque têm medo que as agências parem de trabalhar na região, e nós precisamos delas", disse um adolescente no sul do Sudão.

Recomendações

O relatório da ONG recomenda a criação de mecanismos locais e internacionais para lidar com as denúncias de abuso.

Segundo a ONG, a comunidade internacional havia prometido uma política de tolerância zero em casos de abuso sexual contra crianças, mas a promessa não está sendo praticada nas áreas afetadas.

Em resposta às acusações do relatório, um porta-voz da ONU, Nick Birnback, afirmou que é impossível garantir que nenhum incidente irá acontecer em uma organização que tem mais de 200 mil funcionários servindo em diferentes regiões.

"O que podemos fazer é reforçar e propagar a mensagem acerca da política de tolerância zero, que significa zero complacência quando alegações confiáveis forem levantadas e quando acreditarmos que algum abuso tenha sido cometido", afirmou Birnback.

O porta-voz declarou ainda que a ONU não tem autoridade para agir contra os responsáveis.

"Essa é uma das questões que estamos discutindo, mas isso não significa que não acompanhamos os casos de forma rígida quando temos qualquer tipo de alegação. No entanto, é responsabilidade dos países-membros garantir a punição", afirmou.

A ONU declarou ainda que o relatório é bem-vindo e que a organização irá estudar seu conteúdo atentamente.

A missão de paz da ONU no Haiti é comandada por militares brasileiros.


BBC Brasil.

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