terça-feira, 6 de maio de 2008

ONG: polícia carioca matou 25% mais em 2007

A política de segurança pública do governo do Rio de Janeiro foi duramente criticada hoje, em audiência pública realizada pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara. A representante da ONG carioca Rede contra Violência, Patrícia da Silva, citou dados mostrando que o número de mortos pela polícia cresceu de 1063 em 2006 para 1330 em 2007 (25%). Ela denunciou o
uso indiscriminado dos "autos de resistência" - nos quais os mortos são acusados de terem resistido à prisão e atacado a polícia - para mascarar as execuções sumárias.

"Até uma mãe com criança no colo foi enquadrada num auto de resistência. Como essa mãe poderia estar com um fuzil?" - perguntou Patrícia. Ela acrescentou que os inquéritos policiais sobre alguns casos desses permanecem parados. A representante criticou a declaração do governador Sérgio Cabral de que os bairros ricos do Rio têm padrão Suécia, porque as mães tem no máximo dois filhos, enquanto as favelas são padrão Zâmbia, onde os muitos filhos constituem "uma fábrica de criminosos".

A mãe Márcia Jacintho disse que os autos de resistência são parte de uma doutrina batizada de "inseticida social", destinada a eliminar negros e pobres. "As comunidades precisam ser respeitadas", pediu, contando que seu filho nunca foi traficante, e que os policiais "implantaram" um revolver 38 e algumas trouxinhas de maconha para incriminá-lo e encobrir o crime.

Márcia não escondeu sua indignação diante do fato de que os dois policiais, além de permanecerem em liberdade, foram há pouco promovidos, apesar de estarem respondendo por homicídio doloso e também por fraude processual. "É preciso pôr um freio nessa onda de criminalizar a pobreza", pediu, dizendo que a violência não é natural dos pobres, e começa quando o Estado não dá educação.

Caveirão
O deputado estadual Marcelo Freixo (Psol) afirmou que a polícia fluminense não respeita a população pobre, em especial os jovens, e pode ser qualificada de "genocida" e "fascista". Segundo ele, o Poder Público tornou-se sócio do narcotráfico, pois os presos são enviados aos presídios conforme a facção criminosa a que pertencem. O deputado revelou que os presos são obrigados a assinar, nas suas fichas policiais, sob um carimbo com a frase "assumo a responsabilidade pelo que me acontecer no presídio tal, da facção tal". Para Freixo, é um exemplo do absurdo a que chegou a polícia.

Freixo criticou o uso do caveirão, lembrando a utilização do mesmo equipamento pelo regime do apartheid, na África do Sul. "A lógica perversa da criminalização da pobreza tem no caveirão - veículo blindado usado pela polícia para entrar nas favelas - o seu símbolo maior". O deputado informou que o caveirão atira indiscriminadamente, fazendo muitas vítimas inocentes, e entra nas favelas com seu autofalante ameaçando: "sai da frente, vim buscar sua alma".

O deputado citou pesquisa feita com crianças do Rio sobre o que mais lhes mete medo. As da Zona Sul deram algumas respostas variadas - uma bala perdida, um carro correndo, um negro da favela. Já as crianças das favelas, todas elas, sem exceção, responderam: do caveirão.

O tenente-coronel da PM Mário Sérgio Duarte, presidente do Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro, falou em nome do secretário de Segurança do Rio, José Mariano Beltrame. Ele argumentou que os policiais não gostam de usar o caveirão, mas que ele é necessário, pelo menos por enquanto. "Tomara que seja provisório", disse o militar. Duarte disse ter ficado preocupado com uma pesquisa que mostra que a maioria da população carioca, inclusive a favelada, é a favor do caveirão. "Fiquei com medo que ele vire permanente", desabafou.

Conflito urbano
Em relação à excessiva violência policial, Mário Sérgio Duarte argumenta que o Rio é diferente dos outros estados. Segundo ele, a presença abundante de armas de guerra, como os fuzis AK-47, são uma característica carioca. "Nós policiais não desejamos o confronto, e inclusive perdemos sete policiais só na semana passada; mas há situações que não podemos deixar de enfrentar", explicou.

Duarte disse que o governo Sérgio Cabral encontrou o Rio em uma situação caótica, no início de 2007: atentados de todo tipo, inclusive à própria chefia da Polícia, ataques incendiários contra ônibus, tiroteios freqüentes, tensão e insegurança nas delegacias. "Levar um tiro de fuzil tornou-se uma hipótese banal", afirmou.

O militar admitiu ter aumentado o número de autos de resistência, mas ressaltou que, em contraposição, os homicídios dolosos diminuíram. Disse também que a segurança pública começa a ser vista como algo além da mera repressão, que inclui também ações de educação, de saúde, de promoção da cidadania. "Tratar o crime só com repressão é como enxugar gelo", afirmou.


Agência Câmara.

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