segunda-feira, 12 de maio de 2008

Registro de ocorrências da Polícia Militar para o juiz

Num resultado festejado por policiais militares do Brasil inteiro, no dia 26 de março, o Supremo Tribunal Federal julgou improcedente, por unanimidade dos oito ministros presentes, a Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) impetrada pelo Partido da República (PR) contra a resolução que autoriza a Polícia Militar de São Paulo a elaborar termos circunstanciados.

O termo circunstanciado é o registro de ocorrências de menor potencial ofensivo diretamente nas ruas, dispensando as partes e a PM de se deslocarem até a delegacia para fazer o registro. Em no máximo duas páginas, o policial militar preenche data, horário e local do fato, qualifica as pessoas envolvidas - autores, vítimas e testemunhas -, resume suas versões, descreve os objetos usados (apreendidos ou não), colhe as assinaturas dos envolvidos e agenda data para o comparecimento das partes ao Juizado Especial Criminal.



Instituído pela Lei 9.099, de 1995, o termo já é feito pela PM em alguns estados brasileiros, como Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Pernambuco, Mato Grosso do Sul e Acre.



Com os avanços tecnológicos, os registros feitos nas ruas podem entrar imediatamente no banco de dados da polícia, através do computador de bordo das viaturas ou mesmo por aparelhos portáteis, futuramente.



Polêmica



Parece muito lógico, mas há quem discorde de que a lavratura do termo circunstanciado seja um ato típico de polícia ostensiva e, portanto, atribuição de PMs na preservação da ordem pública.



A polêmica surge na diferença de visões sobre onde termina o papel da Polícia Militar e onde começa o da Polícia Civil. Ao mesmo tempo em que poder lavrar o termo circunstanciado aumenta a auto-estima dos policiais militares, pois lhes confere responsabilidade, isso incomoda policiais civis, que, por sua formação jurídica, consideram-se os únicos aptos a fazer os registros de ocorrência.



Para Jéssica Oliveira de Almeida, presidente do Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado do Rio de Janeiro (Sindelpol-RJ), da forma em que está concebido hoje, o termo circunstanciado é uma atividade de polícia judiciária, portanto, da Polícia Civil. Isso porque exige que o profissional de segurança avalie os fatos e, dependendo do título que receber, a pessoa não será autuada em flagrante e assumirá o compromisso de se apresentar em juízo, já que a infração teria pena inferior a dois anos.



“Acho que os policiais militares nesse estágio ainda não estão prontos para fazer esse primeiro juízo de valor dos fatos e do que eles representam diante dos modelos de comportamento previstos na lei", afirma a delegada.



E exemplifica: "Numa briga de marido e mulher, seria lesão corporal ou tentativa de homicídio? Se é uma lesão corporal, é uma situação de menor potencial ofensivo, mas se a intenção foi de homicídio, temos uma situação de flagrante delito". Segundo Jéssica, esse tipo de avaliação demanda o conhecimento específico do delegado de polícia. "Para evitar que tenhamos tratamentos jurídicos que não sejam ideais conferidos a determinadas situações, o que pode acabar abalando a confiança na polícia, acho que, nesse estágio, esse trabalho deve continuar com a Polícia Civil”, afirma a delegada.



Já o coronel da reserva José Vicente da Silva, da Polícia Militar de São Paulo, vê o termo circunstanciado como ato de toda a polícia. “É um trabalho de registro de um fato, não de investigação. A PM está mais próxima ao cidadão e pode aliviar a burocracia da Polícia Civil fazendo registros de ocorrência e termos circunstanciados. O policial militar pode ser treinado para atender o cidadão de imediato, em crimes de menor potencial ofensivo, acelerando os procedimentos que vão para a Justiça. É o interesse público que está em jogo”, defende o ificial, que já foi secretário Nacional de Segurança Pública.



O coronel José Vicente explica que levar as partes envolvidas para a delegacia representa trabalho e tempo dobrados para o cidadão e a polícia. “Por que levar o cidadão na delegacia para policiais do estado se nas ruas também há policiais do estado?”, questiona, acrescentando que em média 80% do efetivo ostensivo nas ruas é militar e que, no mundo, o efetivo de polícia de investigação é de 15%.



Para o coronel, que é diretor do Instituto Pró-Polícia e consultor em segurança pública, falta uma “decisão de coragem moral e cívica” por parte dos secretários de Segurança para adotarem o procedimento. “A Lei permite que a PM faça o termo circunstanciado, mas não obriga. Agora depende de os secretários o instituírem nos estados”, observa.



Ele acrescenta que a mudança depende de entendimento e integração entre as polícias. Também é essencial que os bancos de dados sejam integrados e usados pelas duas polícias. “O termo circunstanciado deve ir para o banco de dados unificado. Se é para se fazer, que se faça bem feito”, recomenda.



São Paulo: 300 viaturas computadorizadas



Para fazer bem feito são necessários, segundo ele, recursos materiais e treinamento. Policiais graduados devem usar viaturas com computador com acesso ao banco de dados integrado para saber se o cidadão é procurado. “Hoje, em São Paulo, há 300 viaturas computadorizadas, é o estado mais preparado”, garante.



Indagado sobre o risco de aumento da corrupção policial nas ruas, o coronel José Vicente destacou a importância de se ter canais sólidos de expressão para o cidadão que se sinta pressionado pela polícia: corregedorias e ouvidorias receptivas, que incentivem o cidadão a fazer denúncias.



Além disso, explica o oficial, em São Paulo o trabalho nas ruas é supervisionado por “tenentes de ronda” e pelo Centro de Operações da PM, que telefona para o cidadão para saber se o atendimento foi de qualidade. “A supervisão é vital para a contenção das possibilidades de corrupção. A PM de São Paulo deu um salto de qualidade muito grande nos últimos anos”, diz.



No RS, experiências começaram em 1996

A Brigada Militar do Rio Grande do Sul teve a sua primeira experiência na lavratura do termo circunstanciado em janeiro de 1996, no município de Rio Grande. No mesmo ano, passou a ser realizado também no município de Uruguaiana. No entanto, em 1997, quando a prática já estava disseminada em vários municípios do estado, foi determinada a sua suspensão pela Secretaria da Justiça e da Segurança.



Em novembro de 2000, a prática foi novamente instituída e, em 2001, foi lançado um projeto piloto no município de Caxias do Sul. Em 2002, quando 38 municípios do estado já haviam adotado a prática, foi a vez de Porto Alegre. Hoje, o termo circunstanciado é feito por PMs no estado inteiro.



Mas a delegada Jéssica, que é assessora especial da Secretaria de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro, não está tão certa sobre o sucesso do termo circunstanciado no Rio Grande do Sul. Ela conta que fez uma visita à Brigada Militar no município de Caxias do Sul, onde existe um juiz 24 horas de plantão ara quem o policial militar leva os fatos para a análise.



Jéssica afirma que as últimas avaliações mostraram que 80% das ocorrências encaminhadas ao Juizado baixam às delegacias para complementação, porque dependem de instrução, como exame de corpo delito ou a oitiva de alguma testemunha. "O que deveria reduzir o trabalho acaba dando retrabalho", diz.



Apesar das críticas, a Brigada Militar é referência no país no treinamento de policiais para a lavratura do termo circunstanciado. De acordo com o capitão Costa Limeira, assessor da seção de Operações e Treinamento da Brigada Militar, todos os policiais do Rio Grande do Sul estão capacitados a fazê-lo. Ele explica que no currículo de formação dos policiais há uma disciplina específica que discute a Lei 9099/95 e ensina noções de direito e processo penal, como o conceito de flagrante e a configuração de delitos de menor potencial ofensivo.



“A definição para esse tipo de delito é toda ocorrência cuja pena máxima prevista é de dois anos, como lesão corporal leve, lesão corporal em acidente de trânsito, desobediência ou desacato, todas as contravenções penais, perturbação da tranqüilidade, entre outras. A Polícia Civil recebe a ocorrência em tempo real para fazer a investigação”, explica o capitão.



Ele conta que hoje as estatísticas são mais confiáveis e que cresceu o número de registros, o que não significa que houve aumento das ocorrências, mas sim que as camadas mais populares estão tendo mais acesso à Justiça. Segundo ele, de forma indireta, a atuação no pequeno delito está ajudando a sanar os maiores. “Conflitos como brigas de vizinhos por barulho, por exemplo, onde ameaças e reclamações são constantes, podem terminar em lesões mais graves ou mesmo homicídio”, diz.



Em Santa Catarina, polícias Rodoviária e Ambiental também lavram termos



O estado de Santa Catarina foi um dos pioneiros na aplicação do termo circunstanciado pela PM: em 1998, a Polícia Ambiental começou a usá-lo e hoje ele é aplicado nos 293 municípios do estado. De acordo com o coronel Marlon Jorge Teza, presidente da Associação dos Oficiais Militares de SC, o termo é digitalizado no quartel e encaminhado aos peritos, se necessário, ou ao Juizado Especial. "É muito rápido. A audiência demora de uma semana a um mês, no máximo, dependendo da comarca", explica.



Para ele, o termo circunstanciado ajuda a PM a exercer a sua missão principal, que é preventiva. "Voltamos às nossas origens de ir às ruas e fazer mediação, resolver os conflitos. Os policiais ficaram mais motivados porque vêem o resultado do seu trabalho. Às vezes eles até vão às audiências para acompanhar o caso", conta.



Em 2007, a Polícia Rodoviária de SC também adotou o procedimento. O coronel Marlon conta que havia no interior do estado um problema com animais soltos na estrada, como vacas e cavalos, que causavam acidentes. Bastou um proprietário ser autuado através de termo circunstanciado e condenado pela Justiça a cercar suas terras e pagar cestas básicas que faltou arame na região: quando viram que o caso não ficou impune, os demais fazendeiros da região trataram de cercar suas terras também.



Ceará já tem polícias e dados integrados



No Ceará, o termo circunstanciado ainda não é feito por PMs, mas meio caminho já está andado no sentido da integração dos registros de ocorrência. Em 1997, houve uma reformulação na segurança pública que resultou numa estrutura de comando único, na integração dos sistemas e dos processos policiais e na unificação territorial das polícias e do Corpo de Bombeiros.



Conduzida pelo então secretário de Segurança do Ceará, general Cândido Vargas de Freire, atual titular da pasta no Distrito Federal, a mudança levou à criação do primeiro Centro Integrado de Operações do Brasil, em 1999. Também foram integrados os centros de comunicação, de inteligência, de telemática e de operações aéreas, além das corregedorias.



De acordo com o coronel Laercio Giovani Macambira Marques, ex-secretário de Segurança Pública e Defesa Social e ex-comandante geral da Polícia Militar do Ceará, o sistema de informações policiais unificado permite ter uma visão geral da criminalidade no estado. "O planejamento ficou melhor racionalizado, o que potencializou os resultados”, conta.



De acordo com o coronel Macambira, que assim como o coronel José Vicente tem seu próprio espaço de reflexão na internet (links abaixo), está em estudo a possibilidade de implantação do termo circunstanciado no Ceará. “Agora que não existe mais indefinição jurídica sobre a questão, os estados vão avançar nisso”, aposta, contando que as viaturas no estado já estão computadorizadas e podem até emitir o recibo do talonário.



Para o coronel, o ganho para a população será fenomenal. “O termo circunstanciado acaba com o retrabalho, facilita o acesso da população aos serviços do estado e desafoga as delegacias, sem afetar a competência da Polícia Civil. Ele ressalta que o termo é “basicamente uma narrativa”, e que os desdobramentos na área cível ou criminal vêm depois. “Todo mundo ganha”, conclui.


Comunidade Segura.

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