domingo, 11 de maio de 2008

São Paulo precisa cuidar do crime antes que seja tarde

A semana foi plena de acontecimentos. Em São Paulo, foi decretada a prisão preventiva do casal Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá, denunciados pela morte da menina Isabella. Moradores de rua foram assassinados em Vitória. Índios e arrozeiros continuam em conflito em Roraima. No Pará, o fazendeiro acusado de ser o mandante da morte da religiosa Dorothy Stang foi absolvido. Não é pouca coisa.

No entanto, um caso merece um olhar mais atento. Refiro-me à prisão de um investigador da Polícia paulista, acusado de extorsão e seqüestro de familiares de integrantes de organização criminosa. Os fatos chegaram ao conhecimento do Ministério Público através de denúncia da ex-mulher do policial. Teriam sido a causa dos atentados de maio de 2006, com muitas mortes e paralização do estado. Ao secretário adjunto da Segurança Pública atribuiu-se favorecimento ao policial, fato que resultou no seu pedido de afastamento do cargo.

Aqui não se analisarão as pessoas. E nem se discutirá sobre a verdade ou não das acusações. Ao juiz de Direito, no momento próprio, caberá dizer com quem está a verdade. O foco será outro. Limita-se à existência de uma acusação surpreendente: policiais extorquindo presos, através de seus familiares. É algo que supera qualquer obra de ficção. É que o simples supor ― seja ou não realidade ― é, por si só, estarrecedor. Como nos crimes de perigo abstrato, a gravidade da conduta dispensa a existência do dano. Por isso a ocorrência é importante. É preciso parar e pensar: como se chegou a tal estado de coisas? A quem se deve atribuir a culpa?

É difícil identificar a responsabilidade. Ela se fraciona, se dilui, entre instituições e pessoas. Certamente, muitos colaboraram para que se chegasse a tal ponto. A começar pelos desiludidos, acomodados, medrosos, todos os que, por qualquer espécie de sentimento, optaram por não se envolver com nada. Também os que se valeram ou se valem do cargo para receber vantagens, ou seja, os corruptos. Idem, as chefias acomodadas, que, fingindo não ver, optaram apenas por cuidar de suas vidas.

Governantes que deixaram a Polícia Civil, pouco a pouco, deteriorar-se por falta de uma estrutura moderna e com recursos tecnológicos adequados, respondem por um quinhão. Também os que, seja lá qual for o motivo, deixaram os vencimentos dos policiais situarem-se em padrão baixo e aquém da responsabilidade e riscos das funções. Ainda, os que, por ação (não respeitando) ou por omissão (não elogiando as boas práticas), contribuíram para a perda da motivação e da auto-estima dos policiais. Da mesma forma, os que prestigiaram, às vezes apenas com sua presença, os policiais envolvidos no crime e que ostentam padrão de vida incompatível. Estes e outros tantos, deram a sua parcela de contribuição.

Neste caldo confuso e indefinido, diluída a responsabilidade entre tantos, resta saber o que se pode fazer. Há saída? A solução não é fácil. Com certeza, ela não se limita à prisão deste ou daquele acusado. O problema vai além. Exige uma nova política institucional.

É tarefa para equipe multidisciplinar, unindo experts em segurança pública a sociólogos, psicólogos e outros profissionais. Reestruturação das carreiras policiais aliada a rigor extremo na apuração de desvios funcionais. Um plano de longo alcance deve ser implementado. Com 38% da renda nacional, São Paulo tem condições de fazê-lo.

É preciso que as melhores lideranças sentem à mesa para traçar metas. E que, com o apoio da cúpula da administração estadual e obstinação doentia, convertam planos em realidade. O grande desafio é a efetividade. É fazer ou fazer. Não há outra opção. Nova York e Bogotá conseguiram. Antes que seja ― e talvez já seja ― tarde demais.


Por Vladimir Passos de Freitas: é desembargador aposentado do Tribunal Regional Federal da 4ª Região e professor de Direito Ambiental da PUC/PR.

Revista Consultor Jurídico, 11 de maio de 2008

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