segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Uso indevido de veículo público dá condenação

O desvio e uso de veículo contratado pelo erário público na varrição de ruas, para fins particulares, por então vereadora que na época dos fatos gozava de forte influência no Executivo caracteriza improbidade administrativa. Com esse fundamento, o Tribunal de Justiça de São Paulo manteve a condenação da ex-vereadora Maeli Vergniano por ato ímprobo e mandou ela devolver aos cofres públicos o dinheiro acrescido de maneira ilícita ao seu patrimônio, além do pagamento de multa civil correspondente a duas vezes o valor apurado com o mau uso de recursos públicos.
A decisão, por votação unânime, é da 10ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça. Participaram do julgamento os desembargadores Antonio Villen (relator), Torres de Carvalho e Aguilar Cortez. A turma julgadora determinou, ainda, a suspensão dos direitos políticos da ex-vereadora pelo prazo de oito anos e a proibição de contratar com o poder público e de receber benefícios ou incentivos fiscais e de créditos durante o período de 10 anos. Cabe recurso.
A defesa de Maeli sustentou a nulidade da sentença de primeiro grau por cerceamento de produção de prova e, no mérito, alegou a inocência da acusada sob o fundamento de ausência completa de prova de que a ré tenha feito uso para fins particulares de veículo que estava à disposição da Administração Regional de Pirituba para fiscalização do serviço de limpeza e de varrição de ruas.
A turma julgadora afastou a preliminar de cerceamento de defesa com o argumento de que durante a fase de investigação foram observadas todas as garantias processuais. No mérito, o tribunal confirmou que a conduta ímproba da então vereadora ficou plenamente demonstrada na Ação Civil Pública.
De acordo com os desembargadores, a ex-parlamentar, que na época do mandato gozava de enorme influência no Executivo municipal então chefiado pelo prefeito Celso Pitta, controlava de fato a Administração Regional de Pirituba. Ainda segundo os julgadores, prova dessa influência seria o fato de um dos irmãos de Maeli ocupar o cargo de administrador daquela regional e de seu marido ser assessor legislativo.
A turma julgadora entendeu que durante o exercício de controle da regional de Pirituba, Maeli desviou para uso próprio um automóvel da marca Fiat-Uno que a empresa Veja Engenharia Ambiental Ltda, em cumprimento ao contrato celebrado com a prefeito para a limpeza e varrição de ruas, colocara o veículo à disposição da então vereadora.
“A utilização do veículo para fins particulares tinha caráter permanente”, afirmou o desembargador Antonio Vellen. “Tanto que ele acabou furtado quando pernoitava estacionado em frente à residência da ré”, coletou o relator, concluindo que mesmo depois do furto, Maeli não foi privada da regalia, pois a empresa desviou outro veículo da fiscalização e o colocou a serviço da então vereadora e de sua família entre novembro de 1998 e março de 1999.
Para os desembargadores, com o ato de improbidade a então parlamentar não apenas privou a comunidade dos serviços de limpeza e varrição de ruas como se enriqueceu de maneira ilícita se utilizando de um bem contratado pelo erário para a prestação de serviço público.
Histórico
Em 2007, a Justiça paulista condenou criminalmente a ex-vereadora Maeli Vergniano a dois anos e seis meses de reclusão e 12 dias-multa pelo crime de peculato. Maeli foi denunciada no processo de investigação na prefeitura paulistana que ficou conhecida como “máfia dos fiscais”. A defesa de Maeli recorreu ao Superior Tribunal de Justiça contra a decisão. O Recurso Especial está concluso com o ministro Haroldo Rodrigues, desembargador convocado do Tribunal de Justiça do Ceará e integrante da 6ª Turma do STJ.
O TJ paulista entendeu que a ex-vereadora incorreu no crime porque fez uso pessoal, pelo período de 17 meses, de dois veículos Fiat Uno, da empresa Veja Engenharia Ambiental. Esses veículos, de acordo com o contrato de licitação, deveriam atender a fiscalização da varrição de lixo na área da Regional de Pirituba. Maeli usava o veículo, com motorista cedido pela empresa e sem desembolsar dinheiro para o combustível.
“O veículo foi desviado do serviço de fiscalização que deveria ser exercida pela Administração Regional de Pirituba”, afirmou o então relator, Segurado Braz, hoje aposentado. “A questão não é de “peculato de uso”. É, sem dúvida alguma, de “peculato-desvio”, ou seja , um carro, bem móvel (particular), na posse da Administração, para uso público específico, foi desviado para proveito alheio”, sustentou o desembargador.
A ex-vereadora teve a reclusão substituída por prestação de serviços à comunidade pelo mesmo período da pena e foi condenada a perda de bens e a valores no montante de R$ 20 mil. Esse dinheiro será revertido a favor do fundo Penitenciário Nacional.
A decisão, por votação unânime, foi tomada pela 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo. Participaram do julgamento os desembargadores Segurado Braz, Junqueira Sangirardi e Figueiredo Gonçalves.
Maeli foi denunciada junto com o marido, Josué Magliarelli, o irmão, Márcio Tristão Vergniano, e mais seis pessoas por formação de quadrilha, peculato, concussão e usurpação de função pública com o objetivo de obter vantagens.
O TJ absolveu a ex-vereadora dos demais crimes e manteve a condenação por peculato. Afastou de todos os acusados o crime de formação de quadrilha. Condenou Josué Magliarelli por peculato, mas julgou extinta sua punibilidade por prescrição. Pelo mesmo motivo, extinguiu a punição contra Márcio Tristão Vergniano, que em primeira instância havia sido condenado a oito meses de reclusão e absolveu Armando José Salomão Júnior, do crime de peculato. Os demais acusados foram absolvidos.
A turma julgadora entendeu que não houve o crime de quadrilha ou bando narrado na denúncia, nem ficou comprovado que Maeli era a chefe, mas apenas que a vereadora exercia influência política na Administração Regional, por forças de acordos com o então prefeito.
“Aceitando-se, então, a intervenção da vereadora na Administração Regional, em razão de interesses políticos, não se pode concluir, simplesmente em razão disso, que existia a vontade, pré-ordenada, de cometimento de crimes contra a Administração Pública”, afirmou o relator Segurado Braz. No entanto, o relator reconheceu que, por causa da influência da vereadora, foram cometidos outros crimes autônomos.
Na apelação criminal ao TJ paulista, a defesa de Maeli pediu sua absolvição, alegando não constituir o fato, descrito na denúncia e aceito na sentença, infração penal. De acordo com a defesa, não existe a figura típica de peculato de uso. Alegou, ainda, que sua cliente deveria ser absolvida por insuficiência de provas.
A denúncia do MP
Segundo o Ministério Público, Maeli se valeu do cargo que ocupava e da influência que tinha com o então prefeito Celso Pitta para obter plenos poderes e indicar o administrador regional e assessores e mandar remover funcionários. Essa prática tinha como objetivo obter vantagem indevida, em prejuízo da administração pública.
A ex-vereadora transferiu para a Administração Regional seus assessores políticos na Câmara. E indicou para o cargo de administrador regional pessoas a ela subordinadas.
A denúncia aponta também que os dois ex-chefes da Administração Regional de Pirituba concorreram para o crime de usurpação de função pública.
Segundo consta no processo, no carnaval de 1988, o então administrador regional e o dono da empresa Portal leões e Eventos Rurais obtiveram vantagem indevida. Os acusados cederam espaço público para a exploração de empresa particular. A empresa cobrou R$ 100 de cada barraca de ambulante instalada no local das comemorações do carnaval.
Consta, ainda da denúncia, que os servidores públicos lotados na Administração Regional eram obrigados a retirar toda propaganda eleitoral de políticos afixadas em locais indevidos, com exceção dos cartazes da então vereadora Maeli. Os servidores também recebiam ordens trabalhar em favor da campanha da vereadora, segundo o MP.

Revista Consultor Jurídico, 16 de outubro de 2009

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