segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Advogado é condenado por desacato a mesária

A Justiça Federal do Espírito Santo condenou um advogado por desacato a mesária — que mesmo em função temporária em eleição ganha status de funcionária pública no exercício da função. De acordo com o MPF, “na presença de diversas pessoas, o advogado chamou de "burra, ignorante e analfabeta” uma mesária que atuou a serviço da Justiça Eleitoral na eleição municipal de 2004 no município de Ibiraçu”.
O advogado foi condenado a um ano e cinco meses de detenção. A pena foi substituída pela prestação de serviços comunitários e pelo pagamento de multa de R$ 4.650,00. Metade desse valor deve ser entregue a mesária que foi desacatada. A outra metade será destinada a uma entidade beneficente ou pública a critério da Justiça. A denúncia é de autoria do procurador da República, Carlos Vinicius Soares Cabeleira. Cabe recurso.
De acordo com a sentença, assinada pelo juiz federal Hudson Targino Gurgel, “a personalidade do réu é delineada por um temperamento explosivo, irritadiço, voltado para o embate agressivo, conforme restou demonstrado por ocasião da realização da audiência, quando este dificultou a tomada de depoimento das testemunhas, provocando a interrupção do ato, também ilustrando essa personalidade negativa o fato de ter o réu, antes da realização da primeira audiência, abordado a vítima e indagado-a em que iria dar o processo que ela e 'aquele promotor vagabundo' haviam aberto contra ele”.
O advogado teve a prisão decretada pela Justiça Federal no dia 7 de fevereiro de 2008. O alvará de soltura foi expedido 48 dias depois, em 26 de março. A denúncia é de autoria do procurador da República Paulo Augusto Guaresqui. Mais tarde, em julho de 2008, o advogado foi denunciado pelas ameaças feitas a uma segunda testemunha do episódio. Diz a inicial que “pouco antes da audiência referente ao processo no qual já era réu, o advogado foi até a casa da testemunha e pediu que ela mentisse em seu depoimento. Disse também que, se ele fosse inocentado, ela seria processada”.
Além de ameaçar a testemunha, ele teria desobedecido à determinação da Justiça Federal para que não se aproximasse ou tentasse orientar as testemunhas. A Procuradoria sustenta que o advogado aguardou a saída da testemunha em frente ao prédio da Justiça Federal de Linhares e chegou a ir de carro até a rodoviária onde a vítima e outras testemunhas aguardavam o ônibus para voltar para Ibiraçu, embora elas estivessem escoltadas, por determinação do juiz, por um servidor da Justiça Federal.
No dia seguinte à audiência, prossegue o MPF, ele chegou a ir até a agência do Banco do Brasil de Ibiraçu, onde a testemunha fazia estágio, para pedir ao gerente da agência que a mandasse embora. Para o MPF, o réu “agiu com total desvalor em relação à Justiça Federal e às pessoas convocadas a depor, nitidamente com o intuito de intimidar testemunhas para alterar a verdade”.
Além disso, destacou o MPF, o advogado e a testemunha residem em Ibiraçu, município pequeno onde todos se conhecem e onde vale a máxima de que “para bom entendedor, meia palavra basta”. As palavras e atitudes do réu, portanto, representaram sim grave ameaça à testemunha, segundo o MPF.
Processo 20085004000387-0
Leia a íntegra da condenação:
Autor: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Réu : LUIZ ROBERTO SOARES SARCINELLI S E N T E N Ç A (D) Vistos etc. O Ministério Público Federal apresentou denúncia em face de LUIZ ROBERTO SOARES SARCINELLI, atribuindo-lhe a conduta típica prevista no artigo 331 do Código Penal Brasileiro, narrando em sua peça vestibular que o réu teria ofendido a Srª ROZILENE DA SILVA CUZZUOL, quando esta exercia a atividade de presidente da Mesa Receptora da 96ª Seção Eleitoral da 14ª Zona Eleitoral de Ibiraçu/ES. Processo tramitando perante o Juizado Especial Federal. Dispensado o relatório, nos termos do § 3º do artigo 81 da Lei 9.099/95. MOTIVAÇÃO O artigo 331 do Código Penal Brasileiro descreve a infração denominada desacato, trazendo em seu preceito primário a conduta típica de ¿desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela¿, cominando pena de detenção de 06 (seis) meses a 02 (dois) anos, ou multa. Desacatar significa desprezar, faltar com o respeito ou humilhar. Implica em qualquer tipo de palavra grosseira ou ato ofensivo contra pessoa que exerce função pública, tendo como sujeito passivo o Estado e, em segundo plano, também o funcionário público. Narra a denúncia que a Srª ROZILENE DA SILVA CUZZUOL exercia a atividade de presidente de mesa receptora em uma das seções da Zona Eleitoral de Ibiraçu/ES. Embora seja do conhecimento geral que o trabalho da forma em que era desempenhado pela Srª ROZILENE DA SILVA é temporário e sem vínculo funcional com o Estado, para fins penais, no dia dos fatos, estava a vítima equiparada a funcionário público, conforme disposição do artigo 327 do Código Penal Brasileiro, in verbis: ¿Art. 327 - Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública¿. Em razão de estar a Srª ROZILENE DA SILVA prestando serviços à Justiça Eleitoral, eventual delito praticado por ela ou contra ela, no exercício da função, atrai a competência da Justiça Federal, ante o interesse da União, nos termos do artigo 109, inciso IV da Constituição da República Federativa do Brasil. O réu, em suas alegações finais (fls. 101/121) trouxe como preliminar a argüição da prescrição da pretensão punitiva do Estado, ao argumento de que os fatos ocorreram em 03 de outubro de 2004 e que, passados mais de 05 (cinco) anos sem que fosse prolatada sentença, teria operado a mencionada causa extintiva da punibilidade, vez que a pena máxima cominada ao delito de desacato é de 02 (dois) anos de detenção, o que a teor do artigo 109, V do Código Penal Brasileiro, prescreve em 04 (quatro) anos. Entretanto, o artigo 117 do Código Penal Brasileiro enumera as causas de interrupção da prescrição, prevendo em seu inciso I, ser o recebimento da denúncia uma das causas interruptivas do curso prescricional. Desse modo, tendo a denúncia sido recebida em janeiro de 2008 (fls. 118), houve a interrupção da fluência do lapso prescricional, passando o Estado a dispor de renovado prazo para exercer a pretensão punitiva. Assim, REJEITO a preliminar de prescrição argüida pelo réu, posto que não verificada sua ocorrência. No tocante à materialidade delitiva, esta encontra-se demonstrada nos depoimentos prestados pelas testemunhas arroladas pelo Ministério Público Federal, de onde se extraem os seguinte excertos: ¿... QUE obstados pela depoente, saíram e retornaram em companhia do acusado, que sem qualquer identificação, entrou na seção, e disse que iria trocar a urna, pois estava ali a serviço da Justiça, tendo sido por igual, impedido pela depoente, que o tratou de Doutor; ... QUE a depoente, ao ouvir tal argumento, decidiu confirmar por telefone, se havia ou não ordem do Juiz Eleitoral, e sua Excelência, por telefone, negou ter mandado o acusado à seção para trocar a urna, afirmando que tão somente dissera a ele que procurasse a presidente da seção, determinando, ato contínuo, ainda por telefone, à depoente, que o ¿pusesse pra fora¿; QUE a partir de então, advertido da conversa que ocorrera por telefone, o acusado teria insultado a depoente, chamando-a de ¿burra, ignorante, analfabeta¿ e afirmando não saber porque a Justiça Eleitoral teria chamado alguém como ela para tal função... QUE ao chegar, o policial reconheceu o acusado, chamando-o de Doutor e que a partir de então, o acusado se retirou do local, afirmando que saía por vontade própria, dizendo à depoente que ela era ¿muito nojenta¿; QUE ficou constrangida com o ocorrido, que as pessoas com quem trabalhava no local também ficaram...¿. ROZILENE DA SILVA CUZZUOL (fls. 121/124). ¿QUE o acusado chegou ao local dos fatos visivelmente alterado, que faltou ao respeito com a senhora Rosilene e que usou de termos fortes contra a presidente da mesa, tais como burra, leiga e nojenta...¿. VALESKA GOMES SUELA (fls. 198). ¿... QUE ante a recusa da presidente, o acusado questionou a autoridade da vítima para obstar sua entrada, chamando-a de ¿analfabeta, ignorante, incompetente¿, questionando inclusive como a Justiça Eleitoral convocava alguém como a vítima para trabalhar nas eleições; QUE a vítima pediu ao acusado, de forma educada que se retirasse, não tendo sido atendida...¿. SÍLVIA CRISTINA CARVALHO (fls. 199). A testemunha JULIERME CARLESSO CONTE disse em seu depoimento, prestado às fls. 196/197, não se recordar dos fatos, dado o decurso de tempo entre estes e seu comparecimento em Juízo, no entanto, confirmou seu depoimento prestado na esfera policial. As testemunhas arroladas pela defesa não foram capazes de contradizer a prova até então produzida nos autos, tendo a testemunha MARATTI DE FÁTIMA CROCE dito que ¿não viu o acontecimento dos fatos¿ (fls. 277). No mesmo sentido foi o depoimento da testemunha VALÉRIA DOS SANTOS ROSALÉM (fls. 278), que afirma que ¿se manteve do lado de fora da sala¿ e que não presenciou qualquer atitude do réu que configurasse desacato. A testemunha VERA LÚCIA FURIERI RIGO (fls. 279), disse que a partir do momento em que não foi autorizada a entrada do réu na seção eleitoral, ¿se ausentou daquela localidade, diante da aglomeração de pessoas¿, logo, também não presenciou os fatos. Em comum, as três testemunhas disseram que o réu é uma pessoa boa, bem quista onde vive, trabalhadora e cumpridora de suas obrigações. A última testemunha do réu a ser ouvida, o Dr. MENANDRO TAUFNER GOMES, Juiz Eleitoral no pleito em que o delito ocorreu, ao prestar depoimento às fls. 408/409, afirmou não ter presenciado a ação do réu, no entanto, esclareceu recordar-se que o Promotor de Justiça que acompanhou o desenrolar dos fatos lhe relatou o ocorrido posteriormente. Por seu turno, ao prestar declarações em Juízo (fls. 40/42), o réu negou que houvesse ofendido a vítima, alegando que esta o impediu de entrar na seção eleitoral por motivo ¿íntimo e pessoal¿, sem no entanto conseguir demonstrar o alegado de forma convincente. O crime de desacato, em geral, não deixa vestígios para que se possa ser comprovado por meio de perícia, sendo, no mais das vezes, como no presente caso, aferido por meio de prova exclusivamente testemunhal. Os depoimentos coligidos aos autos apontam no sentido do cometimento do delito, não havendo um depoimento sequer capaz de afastar ou mesmo lançar dúvidas quanto à ocorrência do delito. As testemunhas arroladas pela defesa foram unânimes em afirmar não terem presenciado os fatos, tendo uma delas dito que só acompanhou o réu quando o Promotor de Justiça também se fazia presente, o que, segundo a dinâmica dos fatos, teria ocorrido na segunda incursão do réu no interior da seção eleitoral, portanto, posterior aos fatos que originaram a presente ação penal. Diante do exposto, julgo PROCEDENTE o pedido inicial e em conseqüência, CONDENO o réu LUIZ ROBERTO SOARES SARCINELLI nas sanções do artigo 331 do Código Penal Brasileiro. Nos termos dos artigos 59 e 68 do Código Penal Brasileiro, passo a dosar-lhe a pena. A culpabilidade ressoa grave, pois, o réu proferiu expressões odiosas, direcionadas à vítima, diante de diversas pessoas. Os antecedentes são desfavoráveis ao réu, conforme demonstrou a certidão de fls. 85, registrando a existência de outras duas ações penais. Não há nos autos elementos capazes de desabonar a conduta social do réu, tendo as testemunhas de defesa afirmado ser ele pessoa boa, trabalhadora e cumpridora das obrigações, sendo-lhe favorável essa circunstância. A personalidade do réu é delineada por um temperamento explosivo, irritadiço, voltado para o embate agressivo, conforme restou demonstrado por ocasião da realização da audiência, quando este dificultou a tomada de depoimento das testemunhas, provocando a interrupção do ato, também ilustrando essa personalidade negativa o fato de ter o réu, antes da realização da primeira audiência, abordado a vítima e indagado-a em que iria dar o processo que ela e ¿aquele promotor vagabundo¿ haviam aberto contra ele (fls. 122). O motivo do crime, conforme ficou demonstrado, foi o fato de ter sido negado ao réu o acesso ao interior da seção eleitoral, sendo descabida a reação por ele manifestada, uma vez que a vítima agiu dentro da estrita legalidade, buscando manter a ordem dos trabalhos eleitorais, sendo portanto desfavorável ao réu. As circunstâncias são as normais do tipo. As conseqüências do crime foram mínimas, vez que não houve a interrupção dos trabalhos eleitorais. O comportamento da vítima em nada contribuiu para o crime; ao reverso, há relato nos autos de que a vítima tratou com cordialidade o réu, atribuindo-lhe inclusive o tratamento de ¿doutor¿, não favorecendo ao réu essa circunstância. Pelos motivos acima explicitados, fixo a pena-base em 01 (um) ano e 05 (cinco) meses de detenção. Inexistindo qualquer atenuante ou agravante a ser considerada, passo à fase seguinte de fixação da pena. Ante a ausência de circunstâncias majorantes ou minorantes, fixo em definitiva a pena de 01 (um) ano e 05 (cinco) meses de detenção. O preceito secundário do artigo 331 do Código Penal Brasileiro prevê alternativamente a aplicação da pena de multa. Entretanto, deixo de aplicar unicamente a pena de multa por considerá-la, no presente caso, pouco eficaz aos caracteres retributivo, preventivo e educativo da pena. Ademais, sua utilização poderia gerar um sentimento de impunidade, produzindo no réu a sensação de estar imune à legislação penal. Para o cumprimento da pena, fixo inicialmente o regime aberto, conforme determinação contida no artigo 33, § 2º, ¿c¿ do Código Penal Brasileiro. Considerando o quantum final da pena privativa de liberdade e atento ao disposto no artigo 44 do Código penal Brasileiro, substituo a pena privativa de liberdade do réu LUIZ ROBERTO SOARES SARCINELLI em: a) uma pena restritiva de direito, na modalidade prestação de serviço à comunidade ou entidade pública ¿ prevista no artigo 43, inciso IV do Código Penal ¿ em entidade a ser designada por ocasião da execução da pena, nos moldes do artigo 46 do estatuto penal; b) prestação pecuniária consistente em multa, que fixo no valor de R$ 4.650,00 (quatro mil, seiscentos e cinqüenta reais), a ser corrigido na data do pagamento, devendo metade desse valor ser entregue à Srª ROZILENE DA SILVA CUZZUOL e a outra metade ser destinada a entidade beneficente ou pública, a critério do Juízo da execução penal. As recentes reformas do Código de Processo Penal trouxeram, entre outras inovações, a fixação pelo Juízo Criminal de valor mínimo para a reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido (artigo 387, IV do CPP); no entanto, não havendo nos autos notícia de prejuízos materiais experimentados pela vítima, deixo de fixar tal valor. Concedo ao réu LUIZ ROBERTO SOARES SARCINELLI o direito de apelar em liberdade.   Após o trânsito em julgado da sentença, expeça-se guia de cumprimento das penas restritivas de direitos; oficie-se à Superintendência da Polícia Federal e ao Instituto de Identificação da Secretaria de Segurança Pública do Espírito Santo, para que sejam feitas as devidas anotações de fins estatísticos e de antecedentes criminais; oficie-se à Justiça Eleitoral para os fins previstos no artigo 15, III da Constituição da República Federativa do Brasil e lance-se o nome do réu LUIZ ROBERTO SOARES SARCINELLI no rol dos culpados. Condeno o réu ao pagamento de custas, devendo o valor ser apurado pela Contadoria do Juízo, com posterior intimação para pagamento, sob pena de inscrição em dívida ativa.   Proceda a Secretaria a renumeração do 2º volume dos autos, visto que não foi observada a seqüência numérica das folhas do 1º volume.

Revista Consultor Jurídico, 27 de novembro de 2009

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