segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Artigo: A segurança pública e os direitos humanos

A Segurança Pública é uma das maiores preocupações da atualidade. A população vive aterrorizada com a crescente criminalidade e a total falta de segurança. Ninguém está protegido contra a violência, o país mergulhou na insegurança e no medo.

Nas grandes metrópoles a violência alcança índices alarmantes e tem permeado o nosso cotidiano, despertando atitudes de submissão, revolta e resignação. O descrédito nas instituições públicas é uma constante, o cidadão é atingido, diuturnamente, pelo desemprego, miséria, fome e por políticas públicas que impedem o acesso a direitos sociais mínimos.

Movimentos de Direitos Humanos, com razão, denunciam a brutalidade policial e chamam a atenção para os crimes do Estado e o processo perverso de criminalização da pobreza.

Justificadamente, autoridades e amplos segmentos sociais denunciam a violência difusa que produz a cada ano dezenas de milhares de mortos, entre os quais se contam também muitos policiais.

Uma polícia truculenta não resolverá o problema, assim como uma polícia inerte em nada adiantará para a efetivação da política eficaz de segurança pública. A violência é um inimigo comum. Pobres e ricos sofrem com o avanço da violência e da barbárie que atravessa a sociedade de alto a baixo.

Violência e corrupção andam juntas, principalmente diante da impunidade que grassa em todos os meios, dos mais simples aos mais abastados. O péssimo exemplo emanado das altas esferas de nossa vida pública corrompe os aparelhos de segurança. Implantou-se um cenário de caos e de descontrole.

A Constituição Federal assegura em seu artigo 5.º que todos os brasileiros e estrangeiros residentes no país o direito democrático à segurança pessoal, familiar e comunitária, afirmando no artigo 144 que: "a segurança pública é dever do estado, direito e responsabilidade de todos...".

O Plano Nacional de Segurança Pública, elaborado em 2000, pelo governo federal, fundamenta-se nos princípios da interdisciplinariedade, pluralismo organizacional e gerencial, legalidade, descentralização, imparcialidade, transparência das ações, participação comunitária, profissionalismo, atendimento das peculiaridades regionais e no estrito respeito aos Direitos Humanos.

O plano de ações tem por objetivo aperfeiçoar o sistema de segurança pública brasileiro, por meio de propostas que integrem políticas de segurança, políticas sociais e ações comunitárias, de forma a reprimir e prevenir o crime e reduzir a impunidade, aumentando a segurança e a tranqüilidade do cidadão brasileiro.

O Governo Federal esta ciente de que não existem soluções milagrosas para enfrentar a violência. É objetivo do "Plano" a aglutinação de esforços nas áreas de Segurança Pública que propiciem melhorias imediatas na segurança do cidadão, tanto quanto o fomento de iniciativas de intervenção nas múltiplas e complexas causas que estão ligadas ao fenômeno da criminalidade.

O governo esta convencido de que, por meio do estreitamento da cooperação, com Estados, Municípios, demais poderes e sociedade civil organizada - de forma firme e permanente - muito poderá ser realizado no sentido de assegurar um dos direitos fundamentais do cidadão: "o direito à segurança".

A Declaração Universal dos Direitos Humanos assegura em seu artigo III que: "todo homem tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal." A segurança é um dos direitos humanos, reconhecidos universalmente e consiste na proteção acordada pela sociedade a cada um de seus membros para a conservação de sua pessoa, de seus direitos e de suas propriedades.

Os direitos humanos são direitos de todos e assim devem ser protegidos. Os assassinatos, as chacinas, o extermínio, os sequestro, o crime organizado, o tráfico de drogas e as mortes no trânsito não podem ser consideradas normais, em um estado e em uma sociedade que se desejam modernos e democráticos.

É preciso dizer não à banalização da violência e proteger a existência humana.O aumento da criminalidade no Brasil é assustador. Por dia, a violência mata no Brasil 105 pessoas.

O Pará é considerado o quarto Estado mais violento do Brasil e registra um índice de 39,8 homicídios dolosos para um grupo de cem mil habitantes, no Paraná o índice é de 26,7 e no Brasil é de 26,9.

O Relatório das Nações Unidas - Habitat - divulgado nessa semana sob o tema "Planejando Cidades Sustentáveis", informa que a urbanização acelerada gera desigualdade de renda, poluição, discriminação e desastres.

Informa ainda que em 2.010 o Brasil terá vinte cidades com mais de 10 milhões de habitantes, 172 milhões de brasileiros vão morar na zona urbana e somente 26 milhões viverão na zona rural provocando um aumento da população favelada, que hoje corresponde a mais de 29 %.

A cada dia, no mundo, duzentas mil pessoas deixam o campo rumo à cidade e na falta de alternativas de moradia e trabalho, vão viver nas favelas por falta de outra opção.

Pelos padrões de medição de violência, uma cidade pode ser considerada violenta quando a média de homicídios ultrapassa 10 por 100 mil habitantes. A nação toda esta acossada pela sanha dos delinqüentes de todos os gêneros, que tanto agem pacífica, mas solertemente, como descuidistas, punguistas e estelionatários, quanto com a máxima violência com elevados índices de homicídios, roubos, sequestros e crimes mórbidos de natureza sexual.

Nas ruas, nas estradas e mesmo dentro de casa ou no lugar do trabalho não há quem possa se sentir em segurança. A falta de segurança das pessoas, o aumento da escalada da violência que a cada dia se revela mais múltipla e perversa, exigem dos diversos atores sociais e governamentais uma atitude firme, segura e perseverante no caminho do respeito aos Direitos Humanos.

O cidadão esta sendo duplamente enganado. Enganado porque paga impostos e não tem a segurança devida, e enganado porque as autoridades escamoteiam a verdade.

Os operadores do direito, no combate à criminalidade, garantindo a segurança pública e prevenindo os delitos são além das instâncias sociais que lutam por uma melhor distribuição de rendas, diminuindo as desigualdades sociais que são causas da criminalidade, as Polícias Civil e Militar, o Ministério Público, a Magistratura e os Advogados.

A Polícia Civil ou Militar é a primeira instância no combate a criminalidade e garantidora da Segurança Pública. A Polícia é uma das mais importantes instituições do Estado e imprescindível a toda e qualquer sociedade.

Nesta primeira década do Terceiro Milênio, muitas críticas se fazem à Polícia e aos seus componentes, desde que a Segurança Pública não corresponde às necessidades presentes, menos ainda aos padrões de uma sociedade pós-moderna.

A Comunidade reclama por um serviço mais eficiente, menos impregnado de burocracia, menos imprevisível e hermético e mais acessível a qualquer do povo. O povo clama por reformas e melhor Segurança Pública, mas a Polícia e seus componentes foram alijados do debate público em torno do seu futuro e de suas carreiras. Ninguém se preocupou com o estabelecimento de condutas eficientes de aferição do pensamento de um dos principais operadores jurídicos.

Existe hoje um movimento orquestrado para demolir a Segurança Pública, pois a Polícia possui grandes inimigos, hoje sucateando, amanhã afogando o policial com míseros vencimentos e depois o que virá? 84,8% da população não confia na polícia e 56,12% julga péssimo a forma do combate à criminalidade.

A ONU recomenda, como ideal, a existência de um policial para cada grupo de 550 habitantes e na maioria das cidades brasileiras existe um policial para cada grupo de 1.860 habitantes, três vezes menos que a recomendação. Nas Delegacias de Polícia não há atendimento à noite, as portas estão trancadas e protegidas por grades pantográficas, cadeados e correntes.

O clima de tensão dos policiais que fazem plantão em Delegacias, onde as carceragens estão abarrotadas é muito grande, quase de temor.Os policiais são reféns do medo, à noite trancam-se nos prédios, não abrem as portas e não atendem a população.

As Delegacias estão mal equipadas, a maioria, durante a noite, permanece com um só policial de plantão, não conseguem prestar qualquer atendimento à sociedade e as vítimas que arriscam a pedir ajuda à Polícia Civil são orientadas a passar no dia seguinte, em horário comercial, ou então, procurar a Polícia Militar. Os Policiais criticam o sucateamento da Segurança Pública.

A Política Nacional de Segurança Pública tem fracassado no combate a criminalidade, permitindo que o crime se torne uma epidemia. A falta de políticas sociais possibilitou o aumentou da criminalidade, recrutando a sua força de trabalho junto à juventude e aos desempregados, contando ainda com a ajuda de quem é pago para combatê-los: a própria polícia.

Os policiais, humilhados, dizem que não conseguem mais exercer a profissão que escolheram, não protegem mais a sociedade, eles é que precisam de proteção. Vivem estressados e em constante tensão, com sérios problemas de saúde, inclusive mental, deprimidos, dependentes de álcool e de substâncias tóxicas. São pessoas infelizes e sentem-se abandonados pela instituição e seus dirigentes não confiando na Polícia que não os protege e muito menos em seus superiores.

Estão decepcionados com a instituição e frustrados como profissionais. Revoltados com os "depósitos de presos" que se tornaram as Delegacias e os Distritos Policiais e desviados das funções de investigação para atuarem como Agentes Carcerários, são humilhados pelos seus chefes e impotentes a melhorarem as suas condições de trabalho.

Os locais de trabalho, na maioria das vezes, não tem as mínimas condições de adequação e higiene que respeite a dignidade do ser humano. Os policiais encarregados da Segurança Publica, trabalham no limite, não se dedicam e não conhecem o tipo de serviço que a população quer e quando são corruptos, refletem simplesmente o Estado brasileiro, que é corrupto.

Os meios de controle interno não dão conta da corrupção, porque o Estado é corruptor e as elites se aproveitam disso. Entre 90 países o Brasil ficou em 46.º lugar no ranking de corrupção mundial, obtendo nota 4,0. A Finlândia, com nota 9,90 foi classificada como o país menos corrupto e Bangladesh, com 0,4, como o mais corrupto.

Além da corrupção, a Polícia, principalmente a militar sofre de outros males, como a violência que a leva a agir em clima de guerra. Os cidadãos não somente convivem com elevadas taxas de crimes violentos, como também vivem com medo das pessoas que tem mandato para protegê-las do crime - a polícia.

O número de mortos em confronto com a Polícia não deve ser analisado isoladamente, mas como resultado de um clima de violência que vai tomando conta de toda a sociedade.
As Polícias de São Paulo e do Rio de Janeiro matam pelo menos 1.000 pessoas por ano em operações chamadas "oficiais", fora os muitos assassinatos cometidos por "esquadrões da morte" e outros grupos criminosos, milícias que têm policiais dentre seus membros.

As situações denunciadas pela população ficam próximas do banditismo puro e simples. Apenas uma minoria dos integrantes da Polícia Militar resvala para a violência.

A Polícia se mantêm respeitável porque a maioria de seus integrantes é formada por pessoas que realmente buscam proteger a sociedade. A Polícia Militar, em todo o Brasil, necessita multiplicar o seu efetivo para diminuir a criminalidade, pois a violência é um problema social e os investimentos realizados nesta área não acompanham o crescimento da marginalidade.

O índice de mortes nos confrontos entre Policiais Militares com civis é três vezes superior a de outros países que tem população e força policial maior. Em quase todos os casos os Policiais Militares foram inocentados pelos superiores, que consideraram as mortes como ocorridas "no estrito cumprimento do dever legal".

Na Inglaterra diante do aumento de 90% da criminalidade e do número de crimes praticados com arma de fogo as autoridades estão buscando soluções alternativas no combate ao crime.

Entre os policiais há um consenso que a criação de rondas armadas poderá piorar a situação, já que os criminosos sentiriam a necessidade de estar igualmente armados.

A Polícia vem testando uma série de novos armamentos não letais, que dariam aos guardas britânicos a capacidade de neutralizar pessoas sem matá-las ou feri-las gravemente.

Armas que dão choques elétricos, com dispositivos de desorientação, canhões de água, produtos químicos e munição não letal são as novas opções para o combate à crescente onda de criminalidade que, em Londres, no ano de 2.001, atingiu a cifra de 30 homicídios.Em São Paulo, em igual período, ocorreram 3.333 homicídios.

A tortura é o método mais usual empregado pela Polícia para a obtenção das confissões, é um método de investigação que a sociedade aceita, por que geralmente é praticado contra criminosos e produz um resultado eficiente.

Todos os Estados brasileiros devem aderir a um Plano de ações integradas para prevenção e controle da tortura com o objetivo estratégico de constituir uma Política de Estado permanente para o combate e a prevenção da tortura, e de promover a integridade das instituições do sistema de justiça criminal.

Dos 800 casos denunciados no "SOS TORTURA", 30,6% foram praticados por Policiais Civis e 26,7% foram praticados por Policiais Militares e desse total apenas 46 casos foram denunciados pelo Ministério Público e, em somente 12 casos houve condenação.

O Sistema Carcerário no Brasil é considerado o pior das Américas, com mais de quatrocentos e oitenta e cinco mil presos e com um déficit de aproximadamente duzentas mil vagas.

Os advogados, indispensáveis à administração da justiça, como operadores do direito tem uma importante missão, pois é impossível que qualquer pessoa seja processada ou julgada sem a presença de um defensor e estes devem exercer as suas funções com a maior responsabilidade, dentro dos princípios da ética e da moralidade, mas sem jamais olvidar que acima de qualquer coisa vige o principio da inocência, da ampla defesa e do contraditório.

O combate a criminalidade exige reformas, com mudanças profundas na Polícia, no Sistema Carcerário e na Justiça, sem o que, os operadores do direito não poderão exercer as suas funções.

A mudança tem de ser radical com maiores investimentos no Policiamento Preventivo, reforço da área de investigação, ampla reestruturação das Polícias Militar e Civil, implantação imediata de um Programa de formação dos policiais, desenvolvimento de políticas públicas em áreas como lazer, educação e cultura, implantação de policiamento comunitário, desmilitarização e unificação das policias, avaliação de políticas de segurança, produção e divulgação de estatísticas criminais e o seu uso no planejamento, redução da impunidade, desenvolvimento de políticas de prevenção a criminalidade nas áreas de maior risco de violência, combate ao crime organizado.

Mas, todas essas medidas não podem importar em quebra das garantias individuais e dos direitos civis dos cidadãos consagrados em cláusulas pétreas na nossa Constituição.

A idéia de que se deve combater a criminalidade com a adoção de penas mais rigorosas, deve ser repudiada estimulando-se a aplicação de alternativas às penas privativas de liberdade.

A Segurança Pública não é apenas uma questão de "Polícia", embora a Policia e a Justiça sejam fundamentais nesse processo, mas é também uma questão de saúde pública, família e educação.

A banalização da violência e o reforço aos estereótipos e preconceitos estimulam o aumento da criminalidade e da violência. A responsabilidade pela Segurança Pública é de todos: Governos Federal, Estaduais e Municipais.

O Governo Federal preocupado com esta questão realizou no final do mês de Agosto a primeira Conferência Nacional de Segurança Pública que representou um marco importante na democratização da Segurança Pública no Brasil.

Foram definidos princípios e diretrizes orientadoras da Política Nacional de Segurança Pública, com participação da sociedade civil, trabalhadores e Poder Público como instrumento de gestão, visando efetivar a Segurança como direito fundamental.

Concluiu-se na 1º CONSEG que só é possível oferecer segurança de forma democrática quando ela é construída a partir da participação social.

Dentre os Princípios escolhidos pelos mais de três mil participantes estava o de fomentar, garantir e consolidar uma nova concepção de Segurança Pública como direito fundamental, promovendo reformas estruturais no modelo organizacional de suas instituições.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, passados mais de sessenta anos, continua a ser um marco histórico não só pela amplitude das adesões obtidas, mas, sobretudo, pelos Princípios que proclamou, recuperando a noção de Direitos Humanos e fundando uma nova concepção de convivência humana, vinculada pela solidariedade.

O tema Direitos Humanos está presente em quase todos os aspectos da vida pública. Isto porque as diversas questões ligadas ao assunto transitam em várias áreas do conhecimento.

Os Direitos Humanos nomeiam e protegem valores e comportamentos sem os quais homens e mulheres não podem viver de maneira digna.São universais, indivisíveis e interdependentes.

Quando algum Direito Humano é violado, entende-se que a proteção da dignidade do indivíduo, como um todo, está sob ameaça ainda que outros direitos sejam respeitados.

O Programa Nacional de Direitos Humanos nos trouxe uma nova concepção desses direitos fundamentais abrangendo não só os direitos civis e políticos, mas também econômicos, sociais, culturais e coletivos.

A PEC nº47/03 de autoria do Senador Antonio Carlos Valadares esta na pauta da Câmara dos Deputados para ser votada esta semana, tornando a "alimentação" direito fundamental, acrescentando-a aos direitos da educação, saúde, trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância e assistência aos desamparados previstos no artigo 6.º da Constituição Federal.

O Ministro Paulo Vannuchi afirmou que:

"a segurança deve ser sempre pensada com base no respeito à dignidade da pessoa para a construção de uma política de segurança pública alicerçada na cultura da paz e no respeito às garantias individuais".

A questão de Segurança Pública é de interesse nacional e também de Direitos Humanos e não pode ser relegada a segundo plano porque a promoção do bem de todos é objetivo fundamental da República Federativa do Brasil.

A população deve saber que os Direitos Humanos a alcança e protege, não estando limitada a proteção de determinados grupos, mas a todas as pessoas em questões fundamentais como a Segurança Pública que é dever o Estado e direito de todos.

O modo como são tratadas as violações de Direitos Humanos tem consequências importantes. A verdade sobre as violações do passado é fundamental para que também sejam estabelecidas sobre as violações do presente e, sobretudo, se aprenda e se gere condições suficientes para evitá-las no futuro.

Não é possível construir uma sociedade livre, justa e solidária com uma memória social contraditória e dividida. Todos somos responsáveis, Governo e Sociedade Civil, pois a guerra contra a violência só pode ser vencida com a integração de esforços, inteligência e recursos, para que se alcance a paz social e a segurança pública com respeito aos direitos fundamentais.


Dalio Zippin Filho é advogado e membro da CNDH/CF.


O Estado do Paraná, Direito e Justiça, 02/11/2009.

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