terça-feira, 10 de novembro de 2009

Habeas corpus. Processual penal.

Habeas corpus. Processual penal. Prisão preventiva. Gravidade do crime. Inidoneidade.
HABEAS CORPUS N.º 97.145 / SP -SÃO PAULO
Rel.: p/Acórdão: Min. EROS GRAU
EMENTA

A jurisprudência desta Corte está alinhada no sentido de que a gravidade do crime não justifica a segregação cautelar. A gravidade do crime serve à mensuração da pena; não à imposição de prisão preventiva.
Ordem concedida.
(STF/DJe de 7/8/2009)
Decidiu a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, por maioria de votos, Relator para Acórdão o Ministro Eros Grau, que a gravidade do crime não justifica a segregação cautelar, servindo apenas à mensuração da pena.

Votaram com o Relator designado os Ministros Celso de Mello, Cezar Peluso e Joaquim Barbosa.

Constam dos votos da Relatora originária e do Relator para Acórdão:

A Senhora Ministra Ellen Gracie (Relatora):

1. A questão de direito tratada neste habeas corpus diz respeito ao possível constrangimento ilegal sofrido pelo paciente devido à falta de fundamentação idônea da decisão que decretou a prisão preventiva e à ausência dos requisitos autorizadores para a decretação da mesma.

2. O paciente foi denunciado e preso preventivamente como incurso no art. 214 c/c art 224, alínea a, c/c art. 225, § 1.º, inciso I (por três vezes), na forma do art. 71, todos do Código Penal, com relação à vítima J. C. da S., bem como incurso no art. 214 c/c art. 224, alínea a, c/c art. 225. § 1.º, inciso I (por várias vezes), na forma do art 71, todos do Código Penal, com relação à vítima M.M. da C., e ainda como incurso no artigo 214 c/c/ art 224, alínea a, c/c art. 225 ", § 1.º, inciso I (por várias vezes), na forma do art. 71, todos do Código Penal, com relação à vítima L. M. da S., todos na forma do art. 69 do Código Penal (fl. 51).

3. O Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o HC 98.628/SP, objeto da presente impetração, denegou a ordem, nos termos do voto do eminente relator, Min. Jorge Mussi, assim fundamentado (fls. 65-68):

"Inicialmente, com cediço, nos termos do enunciado sumular n.º 691 do Supremo Tribunal Federal, não é cabível o ajuizamento de habeas corpus contra o indeferimento de pedido de liminar em outro writ, sob pena de indevida supressão de instância.

Entretanto, este Tribunal tem se orientado pela mitigação desse entendimento, em respeito ao princípio da celeridade processual, possibilitando o conhecimento do remédio constitucional quando comprovada a superveniência de julgamento de mérito de habeas corpus originário, como ocorreu in casu, e a autoridade indicada como coatora traz aos autos cópia de aresto proferido e o seu teor, em contraposição ao exposto na impetração, faz suficientemente as vezes de ato coator no caso em testilha.

Desse modo, perfeitamente viável a superação do óbice ao conhecimento do pedido.

No mérito, conforme se extrai dos elementos que instruem o presente mandamus, o paciente foi inicialmente preso em razão de flagrante, datado de 31/10/2007, nos autos de ação penal na qual responde pela suposta prática dos crimes de atentado violento ao pudor, em continuidade delitiva, por ter constrangido três meninos, com idade entre 6 e 8 anos, a praticarem consigo ato libidinoso diverso da conjunção carnal, mediante grave ameaça e violência presumida.

Consta da exordial acusatória que o paciente convidava frequentemente crianças a irem até seu apartamento para pegar doces e jogar vídeo game, ocasião em que abusava sexualmente delas, motivo pelo qual foi denunciado como incurso no art. 214 c/c art. 224, alínea a, c/c art. 225, § 1.º, inciso I (por três vezes) na forma do art. 71, todos do Código Penal, com relação à vítima J. C. da S., bem como incurso no art. 214 c/c art. 224, alínea a, c/c art. 225. § 1.º, inciso I (por várias vezes), na forma do art 71, todos do Código Penal, com relação à vítima M.M. da C., e ainda como incurso no artigo 214 c/c/ art 224, alínea a, c/c art. 225, § 1.º, inciso I (por várias vezes), na forma do art. 71, todos do Código Penal, com relação à vítima L. M. da S., todos na forma do art. 69 do Estatuto Repressivo.

O Juízo de Direito da 1.ª vara Criminal da Comarca de Itaquaquecetuba/SP, em 5/11/2007, examinando ao Auto de Prisão em Flagrante, houve por bem relaxá-lo, por entender que o paciente não estaria em estado flagrancial, todavia, na mesma ocasião, decretou sua custódia preventiva, haja vista estarem presentes os indícios de autoria e a materialidade delitiva, bem como os requisitos e fundamentos previstos nos artigos 311 e 312, sobretudo em razão da gravidade do crime e diante da necessidade de garantir-se a conveniência da instrução criminal e a aplicação da lei penal.

O Tribunal de origem, por sua vez, à unanimidade de votos, entendendo suficiente a fundamentação esposada no decisum de primeira instância, e considerando presentes motivos relevantes para a manutenção do encarceramento, houve por bem denegar a ordem...

Da simples leitura dos fundamentos do aresto impugnado, observa-se que as razões expostas para a manutenção da segregação cautelar foram bem fundamentadas, sobretudo em razão da necessidade de garantia à ordem pública, haja vista a reiteração de conduta criminosa do paciente, pois cometeu o mesmo delito contra três crianças diferentes, mostrando, com isso, ter personalidade inclinada para a prática criminosa.

Nesse contexto, pode-se concluir que as decisões referidas encontram-se suficientemente motivadas, especialmente quanto ao risco à ordem pública, dada a imprescindibilidade de fazer cessar a reiteração delitiva.
(...)
Assim, verificando-se que a decisão colegiada objulgada está fundada na necessidade concreta de manter-se a prisão cautelar, especialmente a bem da ordem pública, diante da inclinação do paciente para a prática criminosa e da necessidade de obstar tal conduta, resta plenamente justificada a manutenção da decisão que manteve sua custódia cautelar.

Diante do exposto, denega-se a ordem".

4. Quanto à decretação da segregação cautelar, considero oportuna a transcrição de trecho da decisão proferida pela Juíza de Direito da 1.ª Vara Criminal da Comarca de Itaquaquecetuba que indeferiu pedido de liberdade provisória (fl. 53):

"Assiste razão a i. representante ministerial.

A custódia cautelar do investigado encontra-se irregular, visto que não foi autuado em flagrante delito, tampouco se encontra com prisão temporária ou preventiva decretadas, o que consiste em constrangimento ilegal.

Assim, RELAXO A PRISÃO EM FLAGRANTE, expedindo-se alvará de soltura clausurado.

DECRETO, outrossim, a custódia cautelar do averiguado.

Trata-se de delito de extrema gravidade. A natureza intrínseca do delito e a ousadia do agente estão a recomendar a segregação de seu autor como garantia da ordem pública. O crime foi revestido de violência a criança e encontra-se naqueles previstos pela Lei 8.072/90 (artigo 1.º, inciso V), reforçando o decreto extremo.

No caso em exame os indícios de autoria e materialidade delitiva estão presentes, a justificar o rigor da medida.

Assim, a prisão é medida que se impõe, como conveniência da instrução criminal e para assegurar a aplicação da lei penal.

Com tais considerações, com fulcro nos artigos 311 e 312 do Código de Processo Penal, DECRETO a prisão preventiva de HAMILTON PEREIRA GONÇALVES.

Expeça-se mandado de prisão, encaminhando-o ao local onde se encontra o preso..."

Assim, a magistrada considerou a presença de fatos concretos relacionados ao comportamento do paciente, em especial quanto à ousadia e à grave violência sexual do crime perpetrado em desfavor das vítimas, consoante exposto na respectiva denúncia ofertada pelo Parquet (fls. 49-51).

Já o Tribunal de justiça do Estado de São Paulo, ao julgar o respectivo habeas corpus, assentou que (fls. 55-62):

"(...).

De fato, o paciente está sendo processado pela prática de crimes de atentado violento ao pudor, sendo todas as vítimas menores de 14 anos. Como se pode verificar pelos documentos juntados ao Inquérito Policial, trata-se de pessoa com forte tendência à prática de crimes desta natureza, vez que praticou atos libidinosos com três menores diferentes.

A prática dos delitos demonstra a ausência de barreiras morais e a periculosidade do pacientem, permitindo supor que este, em liberdade, poderá colocar em risco a ordem pública. Ademais, não é difícil prever que a liberdade do paciente, na medida em que intimidará as vítimas e testemunhas, poderá prejudicar a instrução criminal.

Não se olvide que crime dessa natureza causa repulsa. Também não há qualquer dúvida, em razão da denúncia, sobre o constrangimento imposto às vítimas e testemunhas, que podem se deparar com o acusado a qualquer momento, eis que são vizinhos.
Além disso, diante da gravidade do delito, é necessária uma resposta rápida, sobretudo para estancar o sentimento de impunidade que impera perante a sociedade, de modo a garantir a ordem pública, pois é notório no ânimo e paz das testemunhas, o que prejudicaria a instrução criminal.

(...),

De resto, a concessão da liberdade provisória ao réu que responde por crime de atentado violento ao pudor, contribui para fomentar o descrédito da Justiça perante a população, que está justamente alarmada com a banalização da prática de crimes cometidos mediante violência ou grave ameaça".

5. Portanto, verifico que a magistrada fundamentou suficientemente a decisão, eis que, diante do conjunto probatório dos autos da ação penal, a manutenção da custódia cautelar se justifica para a garantia da ordem pública, para conveniência da instrução criminal e para assegurar a aplicação da lei penal nos termos do art. 312 do Código de Processo Penal.

Entendo, assim, que houve fundamentação idônea, ainda que sucinta, à decretação da prisão processual do paciente, não tendo a magistrada de primeira instância violado o art. 93, IX, da Constituição da República.

Saliento, ademais, que "o decreto de prisão preventiva não precisa ser exaustivo, bastando que a decisão analise, ainda que de forma sucinta, os requisitos ensejadores da custódia preventiva" (HC 90.710/GO, rel. Min. Cármen Lúcia, DJ 23/07/2007).

6. Como já decidiu esta Corte, "a garantia da ordem pública, por sua vez, visa, entre outras coisas, evitar a reiteração delitiva, assim resguardando a sociedade de maiores danos" (HC 84.658/PE, rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ 3/6/2005), além de se caracterizar "pelo perigo que o agente representa para a sociedade como fundamento apto à manutenção da segregação" (HC 90.398/SP, rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJ 18/5/2007).

Outrossim, "a garantia da ordem pública é representada pelo imperativo de se impedir a reiteração das práticas criminosas, como se verifica no caso sob julgamento. A garantia da ordem pública se revela, ainda, na necessidade de se assegurar a credibilidade das instituições públicas quanto à visibilidade e transparência de políticas públicas de persecução criminal" (HC 98.143, de minha relatoria, DJ 27/6/2008).

7. Ante o exposto, denego a ordem de habeas corpus.

VOTO

O Senhor Ministro Eros Grau: A prisão cautelar do paciente foi decretada nestes termos:

"Assiste razão a i. representante ministerial.

A custódia cautelar do investigado encontra-se irregular, visto que não foi autuado em flagrante delito, tampouco se encontra com prisão temporária ou preventiva decretadas, o que consiste em constrangimento ilegal.

Assim, RELAXO A PRISÃO EM FLAGRANTE, expedindo-se alvará de soltura clausurado.

DECRETO, outrossim, a custódia cautelar do averiguado.

Trata-se de delito de extrema gravidade. A natureza intrínseca do delito e a ousadia do agente estão a recomendar a segregação de seu autor como garantia da ordem pública. O crime foi revestido de violência a criança e encontra-se naqueles previstos pela Lei 8.072/90 (artigo 1.º, inciso V), reforçando o decreto extremo.

No caso em exame os indícios de autoria e materialidade delitiva estão presentes, a justificar o rigor da medida.

Assim, a prisão é medida que se impõe, como conveniência da instrução criminal e para assegurar a aplicação da lei penal.

Com tais considerações, com fulcro nos artigos 311 e 312 do Código de Processo Penal, DECRETO a prisão preventiva de HAMILTON PEREIRA GONÇALVES.

2. Vê-se no decreto prisional que a segregação cautelar do paciente apóia-se tão-somente na gravidade do crime, o que contraria a jurisprudência desta Corte. A gravidade do crime serve à mensuração da pena; não à imposição da prisão preventiva.

Peça vênia para divergir, concedendo a ordem a fim de que o paciente responda ao processo em liberdade.

Expeça-se alvará de soltura, a ser cumprido com as cautelas de estilo.

Ronaldo Botelho é advogado e professor da Escola da Magistratura. 

O Estado do Paraná, Direito e Justiça, 9/11/2009.

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