domingo, 8 de novembro de 2009

Justiça mais ágil para presos de Minas Gerais

Quem chega ao prédio da Defensoria Pública (DPMG) de Ribeirão das Neves, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, se surpreende. Entre pilhas de autos processuais, 43 defensores, vindos de 11 estados, do Distrito Federal e da União, trabalham para agilizar a análise de processos de execução penal da comarca, que tem cinco presídios. 

Minas Gerais é o primeiro estado a receber a Força Nacional da Defensoria Pública (FNDP), uma conjunção de esforços entre o Ministério da Justiça, a Defensoria Pública Federal, o Departamento Penitenciário Nacional (Depen), a Secretaria da Reforma do Judiciário e do Conselho Nacional de defensores públicos Gerais (Condege). Criada em agosto, a Força Nacional tem por objetivo levar o defensor a presos que têm direito a benefícios pela Lei de Execução Penal (LEP), mas continuam encarcerados por falta de acesso à justiça.

Segundo o coordenador da Executiva Nacional, Rodrigo Duque Estrada, "a idéia da criação da FNDP é contrapor a Força Nacional de Segurança, que tem a idéia da prevenção do crime com a repressão, mostrando que a Força pode ter um outro lado", explica.

 A FNDP é constituída sempre que um estado requisitar ajuda. O pedido pode ser feito pelo defensor geral ou por autoridade pública à presidência do Condege. Os defensores são escolhidos entre aqueles que se candidatam à força-tarefa, sendo todos voluntários, recebendo somente a diária de viagem para o trabalho. É o princípio da solidariedade entre as defensorias. A defensoria local fornece a base e a logística para a tarefa. Em Neves, por exemplo, foram alugadas mais cinco salas no prédio da defensoria para os trabalhos, devido à quantidade de processos.

O defensor Raimundo Filho diz ter ser voluntário da Força é um dever. Para ele, este é um momento histórico da defensoria a favor da democracia e do Estado Democrático de Direito. “Não podemos permitir que presos possam permanecer tendo direitos esquecidos quando existe uma instituição vocacionada para a defesa destas pessoas”, explica. “A pena é feita para a ressocialização do preso e não para a vingança. Quando se permite que ela passe do previsto, ela torna-se uma vingança contra o preso”, opina.

Segundo dados do Ministério da Justiça, Ribeirão das Neves abriga atualmente 5.147 presos. Destes, 3.710 foram condenados, 1.437 estão em regime provisório e 20 em medida de segurança. Isso equivale a cerca de seis mil processos ativos e 11 mil guias de execução. No entanto, segundo o coordenador de política prisional da DPMG, Fabiano Bastos, a comarca conta apenas com dois juízes e dois defensores, o que justificou o pedido da Força em Minas Gerais. O próximo estado da federação a ser contemplado será Pernambuco.

processos_FNDP.jpgAtendendo ao pedido, a Força Nacional fica em Minas de 19 a 26 de outubro. Já no seu quinto dia de atuação, foram analisados 1.991 processos, sendo que destes, 926, ou seja, 46,5% de benefícios de presos, tais como progressão de regime, pedido de prisão domiciliar, prescrição, extinção da punibilidade, entre outros, já estavam vencidos.

Segundo Rodrigo Duque, isto significa que os presos já deveriam estar nas ruas, mas ainda se encontram encarcerados por falta de capacidade do Judiciário. A idéia é que até o fim da tarefa, 3.500 processos sejam analisados.

Para Fabiano Bastos, é um prejuízo para o preso cumprir uma pena para além do que foi imposta. “Isto é falta de cidadania”, ressalta. O estado também economiza ao investir em ações da defensoria. Em Minas Gerais, segundo Bastos, gasta-se cerca de R$ 2 mil por preso, “não sendo vantagem manter ninguém encarcerado por mais tempo”, explica.

No tempo restante, a FNDP vai realizar o atendimento de presos nas unidades prisionais e verificar as condições das mesmas. Ao final, será produzido um relatório para a Secretaria de Reforma do Judiciário e o Condege. Segundo Bastos, a presença de um defensor de um órgão autônomo na questão prisional é fundamental. “Somente uma instituição autônoma pode fazer denúncias nas violações de direitos humanos. Assim, podemos propor uma ação quando a carceragem não condiz com as regras da LEP”, exemplifica.

Defasagem

Segundo Rodrigo Duque, o ideal era que as defensorias não precisassem de auxílio. No entanto, o Brasil ainda tem dois estados que nem dispõem da instituição. De todos os estados brasileiros, apenas Paraná e Santa Catarina não têm Defensoria Pública estruturada conforme manda a Constituição da República de 1988. No último dia 19, foi comemorado o Dia Nacional da Defensoria Pública e o atraso da região sul do País em relação à questão foi lamentado pela Associação Nacional dos Defensores Públicos.

No Paraná, existe um serviço estatal de assistência jurídica à população, mas o mesmo não está organizado de acordo com a Constituição. Já em Santa Catarina, segundo a associação, está sendo adotado um modelo de privatização do serviço que deveria ser realizado pela Defensoria Pública. Porém, a sociedade civil está bastante mobilizada e realiza uma campanha intitulada "Defensoria Pública de Santa Catarina: direito sonegado".

"Dos estados do Sul, apenas o Rio Grande do Sul conta com uma defensoria forte, estruturada e bastante organizada. Isso é uma pena, pois a Constituição Federal determina que é direito fundamental de todo cidadão ter acesso à assistência jurídica integral e gratuita, serviço que deve ser prestado pela Defensoria", comenta o presidente da Associação Nacional, André Luís Machado de Castro.

Apesar de ter uma Defensoria Pública instalada, em Minas Gerais, a situação ainda é complicada: das 290 comarcas, 118 não tem defensor. De acordo com dados da Associação dos Defensores Públicos de Minas Gerais (Adep), a remuneração dos defensores no estado é inferior à média nacional e está entre as três piores da federação.

Dos 1.200 cargos criados, apenas 465 estão lotados. Segundo o defensor público e diretor secretário da Adep, Eduardo Cavalieri, a média é que a cada 12 dias um defensor deixe a carreira. A situação é confirmada por Fabiano Bastos. “Os profissionais acabam desistindo da carreira por causa dos baixos salários e das condições de trabalho”, lamenta. “Há uma debandada”, conclui. 

soltura_preso_FNDP.jpgSegundo Cavalieri, o investimento na Defensoria Pública traria mais economia para o estado. Onde não tem defensores, o estado é obrigado a arcar com advogados dativos, não tendo nenhum controle sobre estes gastos. Segundo ele, de acordo com uma pesquisa da Adep, pela quantidade de peticionamentos e audiências realizadas pelos defensores de Minas, eles receberiam, caso atuassem como advogados dativos para o estado, baseado na tabela de honorários da OAB, uma remuneração de 50 a 300 mil reais. “Além da economia com os salários, ter uma defensoria significa que o estado teria controle sobre o trabalho dos profissionais através de relatório e prestação de contas do orçamento”, explica.

Para a população as vantagens também seriam maiores, segundo Cavalieri. “Sem uma defensoria, as pessoas ficam sem referência quanto à defesa de seus direitos. Além do mais, aquele que não tem acesso ao Judiciário, mas somente ao Executivo e Legislativo porque vota, não é cidadão”, explica.

No Rio de Janeiro, a situação parece ser diferente. Segundo Rodrigo Duque, dos 700 cargos criados, todos estão providos. Houve a equiparação entre os salários da defensoria, do Ministério Público e da Magistratura. “A carreira foi valorizada”, comemora. Além do mais, segundo ele, a defensoria consegue atender a todas as unidades prisionais, o que não acontece em Minas, que conta com apenas 15 defensores que se revezam para a visita de presídios.

A DPMG, no entanto, pretende modificar esta situação. Para sanar a deficiência, um novo projeto foi apresentado ao Ministério da Justiça, mas ainda aguarda aprovação. É o Libertas quae sera tamen, cujo objetivo é destinar 60 defensores do próximo concurso para trabalhar na questão da execução penal.

Fonte: Comunidade Segura. 03/11/2009

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