quarta-feira, 23 de março de 2011

Palco e púlpito contra a opressão

João Baptista Herkenhoff
 
Gosto de datas comemorativas. Vejo um sentido pedagógico nisto de reservar determinados dias do calendário para realçar fatos, efemérides, pessoas, profissões.
Meu artigo de hoje está sendo publicado entre datas bastante significativas deste mês de março: 19 – Dia Nacional do Artesão – Dia do Carpinteiro; 21 – Dia Internacional para Eliminação da Discriminação Racial; 23 – Dia Mundial do Meteorologista; 24 – Assassinato de D. Oscar Romero, defensor dos Direitos Humanos, em São Salvador (1980); 27 – Dia Mundial do Teatro.
Num primeiro momento as comemorações parecem não conter qualquer ligação entre si mas, se aprofundarmos o olhar, podemos identificar nexos.
19 de Março é o Dia do Artesão e do Carpinteiro porque é o Dia de São José Operário. Segundo a tradição, São José era um carpinteiro. Os agricultores do Nordeste brasileiro acreditam que se chover nesse dia não falta água no restante do ano.
Se o agricultor nordestino põe a força de sua Fé na figura de São José Operário para que a água molhe a terra e a faça fértil, quem entende cientificamente de chuva e de secas é o meteorologista, cujo dia solene é comemorado em 23 de março.
21 de março é o Dia Internacional para Eliminação da Discriminação Racial. Embora tenha havido avanços em matéria de igualdade racial, muito esforço terá ainda de ser feito para que a discriminação desapareça, quer a declarada, quer a subjacente, de modo que dessa chaga social não se tenha qualquer resquício. Razão teve o sábio Einstein que lavrou uma frase fulminante:  “Triste época!  É mais fácil desintegrar um átomo do que vencer um preconceito.”
No dia 24 de março, reverenciamos a memória de Oscar Romero, Bispo de São Salvador, que foi assassinado na hora da Missa, justamente no instante supremo da Elevação da Hóstia Consagrada. Dom Oscar Romero foi eliminado porque, em nome da Fé, colocou-se do lado dos oprimidos e enfrentou os opressores que massacravam o povo de Deus. O Bispo comprometido com seu ministério ouviu os clamores do povo, na linha do ensino bíblico: “Eu vi a aflição do meu povo e ouvi os seus clamores por causa dos seus opressores. Sim: eu conheço seus sofrimentos.” (Livro do Êxodo, 111, 7).
Tanto a discriminação racial, quanto a exploração econômica dos trabalhadores são injustiças que ferem a dignidade da pessoa humana, motivo pelo qual há total conjunção entre as celebrações de 21 de março e 24 de março.
E o teatro onde fica dentro desse catálogo de datas excelsas?
Augusto Boal, no seu livro “Teatro do Oprimido e outras Poéticas Políticas”, mostrou como o teatro pode ser utilizado na luta pela construção de uma sociedade justa. Não foi sem razão que, no Brasil, durante o período de sua mais recente ditadura, peças foram proibidas, autores e atores foram presos.
É preciso que o teatro desça ao povo. Não haverá efetiva igualdade racial enquanto o público presente aos espetáculos teatrais for constituído predominantemente de brasileiros de cabelos loiros e tez branca.
Oscar Romero, na Missa em praça pública, e os os grupos Oficina e Arena, nos palcos disponíveis, quase clandestinos, levantavam a mesma bandeira: Liberdade e Justiça.
 
João Baptista Herkenhoff é professor e coordenador da Faculdade Estácio de Sá de Vila Velha e escritor. E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br Homepage: www.jbherkenhoff.com.br Autor de Dilemas de um juiz – a aventura obrigatória (Editora GZ, Rio de Janeiro).

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