segunda-feira, 27 de agosto de 2012

País deveria criar mercado de trabalho para bacharéis


A proposta de extinção do Exame da Ordem, à espera para ser apreciada no âmbito do Projeto de Lei 2.154/2011, merece críticas no que diz respeito à intenção que lhe deu origem. É mais do que evidente o propósito político-eleitoral, bem como de acerto de contas pessoal por trás da proposta. Não bastassem tais propósitos espúrios, a proposta em si é antirrepublicana e capaz de causar graves prejuízos a toda a sociedade brasileira.
Ao contrário do que alguns vêm afirmando, o Exame não configura instrumento de poder ou controle da OAB utilizado para selecionar aqueles que pessoalmente lhe interessam, mas sim de um método que aufere a capacidade intelectual e o preparo acadêmico mínimos dos candidatos para exercerem uma profissão de suma importância, que é a advocacia. O argumento carece de lógica: sem o filtro do Exame, a OAB se transformaria em uma instituição poderosíssima, pois representaria e recolheria anuidades de milhões de profissionais, que hoje não superam esse importante crivo.
As estatísticas apontam a existência de cerca de 5 milhões de bacharéis no Brasil, potenciais candidatos à inscrição dos quadros da OAB. Os atuais 700 mil advogados já colocam o Brasil no ranking dos três países com maior número desses profissionais, tanto em números absolutos quanto per capita, ao lado de Estados Unidos e Índia. Extinto o Exame, o Brasil dispararia na frente.
Isto não significa apenas prejuízo para o mercado da advocacia, que já não oferece condições dignas de trabalho aos advogados atualmente inscritos. Mas perderá, sobretudo, a sociedade, caso tenha que se valer de um profissional inserido em um mercado que se tornaria predatoriamente competitivo, com tantos profissionais disputando o mesmo espaço. Sem dúvida, a qualidade também cairia verticalmente.
De fato, a aprovação no Exame de Ordem vem se mantendo, há algum tempo, em percentuais baixos. Mas a culpa não é dos candidatos. Eles são vítimas de um ensino superior deficiente, que mais se importa com quantidade do que com a qualidade. Trata-se de verdadeiro estelionato educacional.
Assim, faz mais sentido afirmar que aqueles que não obtiveram a desejada aprovação no Exame da Ordem deveriam dirigir suas reclamações ao sistema de ensino como um todo, que não lhes forneceu a base necessária.
Por isso, entendo que a extinção do Exame não é o melhor caminho para solucionar o drama humano a que se submetem os bacharéis que nele não logram êxito, ficando no limbo entre a condição de estagiário e advogado e, por isso, encontrando obstáculo no exercício da função para a qual se prepararam.
Alternativamente a isso, portanto, tenho como razoáveis duas propostas para a melhoria desse quadro: em primeiro lugar, os candidatos que obtivessem a aprovação na 1ª fase e não a obtivessem na 2ª fase poderiam ser poupados da exigência de refazer a 1ª fase do exame subsequente; em segundo lugar, parece interessante trazer para o Brasil uma figura de prestígio e status jurídico, presente no modelo norte-americano. O “paralegal” é aquele que se formou como bacharel em Direito (não podendo mais, portanto, atuar como estagiário) e se tornou um assistente do advogado, desempenhando funções que visam tornar os serviços legais mais céleres e eficazes. Como muitos que não obtêm a aprovação no Exame desejam apenas uma oportunidade de trabalho até que consigam se qualificar para de fato exercer a advocacia, o “paralegal” seria a opção ideal para acabar com o limbo em que se encontram essas pessoas, dando-lhes status jurídico, com a possibilidade de inscrição na OAB sob tal designação.
Além disso, há que se incentivar concursos públicos que permitam a inscrição de bacharéis, tais como o realizado pela Defensoria Pública para o cargo de assessor de defensor.
Dessa forma, com a criação de mercado de trabalho para os bacharéis, enquanto estes não logram êxito em obter aprovação do Exame de Ordem, por meio das medidas acima propostas, permite-se solução adequada para o drama que vivem essas pessoas, sem, no entanto, acabar com esse importante instrumento de proteção da cidadania brasileira.

Wadih Damous é presidente da OAB-RJ.
Revista Consultor Jurídico, 24 de agosto de 2012

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