terça-feira, 11 de dezembro de 2012

6 caminhos para combater o crime organizado


Contra organizações que se armam, roubam e matam com disciplina profissional e estrutura empresarial, o Brasil precisa de informações, coordenação e bom uso de recursos. Somente a competência garantirá segurança aos brasileiros.


O crime organizado conta, já no próprio nome, com aquilo que muitas vezes falta ao Estado: organização. Seus membros são profissionais do desrespeito à lei e da violência. Seguem a hierarquia existente e as cruéis regras do jogo – ou pagam com a vida. Mais que em qualquer outra atividade, cabe o velho ditado: manda quem pode, obedece quem tem juízo. Diante dessa estrutura do crime, cuja capilaridade cresce sob a estrutura legal da sociedade, o Estado brasileiro precisa agir em várias frentes. Em todas, deve mostrar competência, da correta distribuição de recursos ao eficaz uso da força ostensiva da Polícia Militar. Talvez o mais importante: para combater organizações que navegam sobre uma lama submersa, o Estado precisa de informações.

Um serviço de inteligência de abrangência nacional precisa municiar as forças de segurança. Assim como tropas dos Estados Unidos se beneficiam do trabalho da central de inteligência americana para antecipar os passos de grupos terroristas internacionais, as polícias do Brasil precisam de conhecimento para agir contra o crime organizado. Traficantes de armas e drogas tentam criar um ciclo de enriquecimento e poder alheio ao estado de direito, e o Brasil precisa reagir. As autoridades precisam ocupar os espaços em que essas forças proliferam, combater os maus policiais que se curvam ao crime por meio da corrupção e retomar o controle sobre os presídios. Há muito a fazer. A seguir, ÉPOCA elenca seis táticas que, adotadas de maneira coordenada, podem colocar a sociedade brasileira na dianteira na luta contra o crime
 

1 - PRESÍDIOS
REFORMA DO SISTEMA  

Desde que reuniram no mesmo espaço presos políticos e comuns nos anos 1970, durante o regime militar, os presídios brasileiros tornaram-se escolas de formação do crime organizado. “Ninguém começa praticando um latrocínio (assalto seguido de assassinato). O camarada teve um furto em seus antecedentes. Depois saltou para um roubo, porque se organizou no crime no presídio”, afirma o presidente do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária e desembargador do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, Herbert Carneiro. O Conselho – formado por especialistas em Direito Penal – faz inspeções periódicas em penitenciárias. Com 20 anos de profissão, Carneiro ainda se assusta com a situação. “Temos hoje depósitos de presos ociosos.”


Ele afirma que crimes de menor potencial ofensivo sejam punidos com penas alternativas, como a prestação de serviços à comunidade. O amplo uso desse expediente – já incluído no Código Penal – depende de uma melhor organização das Varas de Execução Criminais, em que muitos processos não estão sequer digitalizados. Outra ideia nunca posta em prática no Brasil é a construção de cadeias menores, com no máximo 150 vagas. Os presídios brasileiros abrigam 514 mil pessoas, 220 mil a mais do que sua capacidade. A superlotação favorece o crime organizado. Celulares entram com mais facilidade, e recados chegam aos comparsas em liberdade. “O boom do PCC em São Paulo aconteceu quando começaram a surgir as centrais telefônicas do crime, que possibilitaram mais comunicação entre eles”, afirma o promotor Pedro Baracat, da Promotoria de Execuções Criminais de São Paulo. “É preciso isolar as lideranças do crime organizado e evitar que elas se comuniquem.” Outro problema é o aumento da população carcerária feminina – 66% em cinco anos. Atualmente, há 35 mil presidiárias no Brasil. A maioria foi presa porque transportava drogas a pedido de seus companheiros.

Controversa, a visita íntima nos presídios federais desagrada a juízes e técnicos do sistema penitenciário. Eles são contra essa regalia por ser impossível monitorar o encontro e impedir totalmente que as mulheres carreguem objetos ou bilhetes no próprio corpo. Autoridades temem que a decisão de proibi-la provoque rebeliões. Se tomada em conjunto com a redução da superlotação e a melhoria das condições das prisões, seus efeitos negativos podem ser minimizados.


2 - INTELIGÊNCIA
INTEGRAÇÃO DAS AÇÕES 
A falta de um banco de dados unificado entre as forças policiais no Brasil é uma das fraquezas que alimentam o crime organizado. Hoje, um traficante procurado pela Polícia Federal pode escapar de uma blitz da Polícia Civil sem levantar suspeitas. Isso porque as informações sobre sua ficha corrida não estão disponíveis a todas as autoridades simultaneamente. Para corrigir o problema, o governo federal sancionou em julho deste ano uma lei que cria o Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública (Sinesp). A ideia é que a rede, gerenciada pelo Ministério da Justiça, colete, analise e atualize as informações das forças de segurança com foco em três áreas – combate à criminalidade, controle dos presídios e enfrentamento do tráfico de drogas. A má notícia: o sistema não funcionará antes de 2014. Por enquanto, a maioria das secretarias estaduais de Segurança Pública não tem sequer estatísticas padronizadas e confiáveis. Fazer o Sinesp funcionar quanto antes é fundamental. Até lá, segundo o consultor e ex-secretário nacional de Segurança Pública José Vicente da Silva Filho, é essencial que as polícias busquem melhorar essa integração, sob pena de ficarem menos organizadas que o crime. “A guerra aberta entre as polícias Civil e Militar na maioria dos Estados só faz piorar a situação”, afirma.
INTELIGÊNCIA Laboratório de perícia da Polícia Civil em São Paulo. Informações sobre as táticas e a organização de quadrilhas são decisivas no combate ao crime organizado (Foto: reprodução Revista Época)
A Secretaria de Segurança Pública do Rio de Janeiro atribuiu à parceria com a Polícia Federal parte do sucesso nas ações de combate ao tráfico de drogas e retomadas de morros antes dominados pelo tráfico. Em São Paulo, o governo de Geraldo Alckmin (PSDB) acabou de fechar um acordo com o Ministério da Justiça para criar uma agência integrada de combate ao crime organizado. Integrantes da Polícia Federal e da Secretaria de Segurança Pública paulista coordenarão o órgão.
 

3 - PM x CIVIL
COOPERAÇÃO POLICIAL 
Em 2008, em frente ao Palácio dos Bandeirantes, sede do governo paulista, policiais civis e militares enfrentaram-se numa batalha campal. Em greve por melhores salários, os civis tentavam chegar aos portões do Palácio para protestar. Foram reprimidos pela PM. O confronto, semelhante a cenas vistas em Minas Gerais em 1997, durante uma greve de policiais militares, ilustra uma antiga disputa entre a Militar, a quem cabe prevenir e reprimir o crime, e a Civil, responsável pela investigação e prisão de suspeitos. “Nossa estrutura institucional é irracional, nos condena à separação”, afirma Luiz Eduardo Soares, ex-secretário nacional de Segurança.
Uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) propõe a unificação das duas polícias. Os defensores da proposta argumentam que, entre outras coisas, a unificação das polícias estaduais representaria uma redução de custos que poderia aumentar o investimento em treinamento e salários dos policiais. Independentemente da proposta, Polícia Militar e Civil precisam concentrar-se em seu objetivo único, o combate ao crime, e elevar a cooperação mútua. O enfraquecimento de uma das corporações não leva ao fortalecimento da outra. Quem ganha é o crime.
PORTA DE ENTRADA Soldado do Exército em patrulha sobre o Rio Paraguai, na fronteira com a Bolívia. Fronteiras são usadas para o tráfico de armas e drogas  (Foto: Joel Silva/Folha Imagem)

4 - POLICIAMENTO
REOCUPAÇÃO DO ESPAÇO 
O policiamento ostensivo é a principal estratégia do governo do Rio de Janeiro para retomar favelas sob domínio do tráfico. A instalação de Unidades de Polícia Pacificadora começou em 2008, e, atualmente, 28 UPPs protegem meio milhão de pessoas. Um estudo do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, ONG que atua em parceria com o Ministério da Justiça, mostra que, no Estado do Rio, a proporção é de 2,3 PMs para cada grupo de 1.000 habitantes. Nas UPPs, a média sobe para 18. Os objetivos são “retomar o território em poder do tráfico” e “acabar com os confrontos armados”. Antes, a polícia trocava tiros em ações nos morros e, em alguns casos, permanecia nas favelas durante um período. Deixava o local, e a bandidagem retornava.
Na atual estratégia, o governo anuncia com dias de antecedência que a polícia entrará no morro. Os bandidos fogem sem oferecer resistência – os policiais avançam protegidos por blindados da Marinha –, e o Batalhão de Operações Especiais (Bope) ocupa a favela. Quase sempre sem disparar um tiro. Meses depois, o governo instala a UPP, com PMs encarregados de patrulhar exclusivamente áreas dentro do morro. ÉPOCA percorreu a comunidade da Rocinha, que recebeu a mais nova UPP. Os PMs orientam o trânsito, ajudam crianças a atravessar a rua e até carregam pacotes de compras para mulheres.
O armamento pesado da polícia está em substituição por tasers, que disparam choque elétrico. Já foram recolhidos 273 fuzis, antes usados no patrulhamento de ruas e favelas. As UPPs são uma resposta bem-sucedida ao avanço de quadrilhas que dominavam territórios com suas armas. A estratégia das UPPs não seria tão decisiva em outras partes do país, como São Paulo, onde o poder dos bandidos é mais disperso e não emana do controle de um território específico. Não resta dúvida, entretanto, que a ocupação de áreas menos privilegiadas, antes esquecidas pelo Estado, é vital para enfraquecer organizações criminosas.
REOCUPAÇÃO UPP no Morro do Alemão, no Rio de Janeiro. A presença da PM tira a vantagem de quadrilhas que dependem do controle de um território (Foto: Pablo Jacob/Ag. O Globo)

5 - FRONTEIRAS
MAIS PESSOAL E TECNOLOGIA 
Entre quarta e quinta-feira passada, a Polícia Militar do Rio apreendeu 12 fuzis, duas submetralhadoras, duas metralhadoras, uma delas capaz de derrubar helicópteros, 500 quilos de maconha e 50 de cocaína. O arsenal e a droga estavam em duas favelas da Zona Norte. ÉPOCA apurou que uma das comunidades é comandada por um traficante preso. À falta de controle nas cadeias se somam as vulnerabilidades das fronteiras, de onde vêm o armamento de guerra e o entorpecente das quadrilhas. O material sai geralmente do Paraguai escondido em carros. O Paraguai também fornece a maconha transportada em carretas. Os carregamentos com cocaína partem da Bolívia, do Peru e da Colômbia. Aviões lançam até 500 quilos em fazendas do lado brasileiro.

Esse mercado floresce porque o Brasil tem apenas 14 delegacias da Polícia Federal, com menos de 1.000 agentes, para tomar conta de 11.600 quilômetros de fronteiras com os quatro vizinhos. De acordo com estimativas, são necessários 3 mil policiais a mais. Um pagamento adicional para atrair profissionais para o trabalho nas fronteiras está em discussão na Câmara dos Deputados desde agosto. Além de pessoal, o serviço de inteligência precisa e deve dispor de equipamentos com tecnologia de ponta, como os veículos aéreos não tripulados. O governo chegou a investir R$ 73 milhões no projeto, que previa a compra de 14 aviões por R$ 655 milhões. Apenas uma aeronave foi comprada. O Ministério da Justiça diz ter interrompido o plano para ajustes técnicos, como ampliação da pista e construção de um hangar.

Além do reforço no policiamento e da melhora salarial, será bem-vinda uma política de cooperação mais estreita no combate ao narcotráfico entre os governos do Brasil e dos países vizinhos, principalmente a Bolívia. ÉPOCA ouviu três políticos bolivianos de renome que pediram para não ser identificados. Eles disseram que a cocaína é um negócio cada vez mais rentável no território andino. O PCC já começou a fincar o pé na região da fronteira boliviana.


6 - CORRUPÇÃO
INVESTIGAÇÃO E SELEÇÃO 
O jogo do bicho à luz do dia nas ruas do Rio de Janeiro é prova de que a contravenção segue protegida por policiais corruptos. A corrupção de agentes públicos está entre as principais características de uma organização criminosa. A promotora de justiça Ana Luiza Almeida Ferro, doutora em ciências penais, escreveu um livro sobre a história mundial do crime organizado em que destaca justamente essa particularidade. Ela cita como exemplo os traficantes do Comando Vermelho que pagam propina – conhecida como “arrego” – para não ser presos. Outro exemplo de contaminação das forças de segurança são as milícias, formadas por policiais, bombeiros e agentes penitenciários, que cobram taxas de moradores em troca de proteção. Quem se rebela morre. As secretarias de Segurança Pública sabem que precisam reforçar suas corregedorias para eliminar os maus policiais. Também devem selecionar melhor os que entram nas corporações. Isso tem ocorrido nas UPPs no Rio, mas avança pouco em outros batalhões e delegacias. O cerco deve incluir ainda políticos patrocinados por criminosos.

Em seu livro, Ana Luiza defende que as escolas tenham disciplinas que abordem a “valorização dos frutos do trabalho honesto”. A corrupção, muitas vezes tolerada em atividades consideradas de menor importância, serve de oxigênio para o fogo do crime organizado, situação que deve ser enfrentada como prioridade. O preço pago pela sociedade brasileira é alto demais. 

Época. SEGURANÇA PÚBLICA - 08/12/2012 10h00

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