quarta-feira, 3 de maio de 2017

Brasil está perdendo o controle de seu território para o crime, diz FHC

O ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso defendeu, na última quarta-feira (26/4), agilidade na adoção de novas políticas para enfrentamento da questão das drogas, como forma de barrar o avanço do crime organizado no país.
Para FHC, guerra contra as drogas é ineficaz, pois sempre haverá demanda por entorpecentes.
Reprodução
“O Estado está perdendo o controle de seu próprio território”, afirmou o ex-presidente, referindo-se à atuação das organizações criminosas em presídios e zonas de fronteira.
Ele participou da conferência de encerramento do seminário 10 Anos da Lei de Drogas – Resultados e Perspectivas em uma Visão Multidisciplinar, ocorrido no auditório do Superior Tribunal de Justiça, em Brasília.
Na palestra, FHC lembrou que, antes de seu período como presidente, não tinha consciência do real impacto das drogas sobre as instituições, mas que o contato como chefe de Estado com as experiências de outros países o ajudou a ter a exata dimensão da questão do comércio de entorpecentes. 
Na Colômbia, por exemplo, o ex-presidente percebeu que as políticas voltadas para a total criminalização do comércio de drogas não surtiram o efeito esperado. “Para cada traficante morto, outros dois apareciam. Isso acontecia porque, enquanto existir o mercado, haverá quem se interesse por ele. A droga continua livre na mão do bandido”, apontou.
Apesar de afirmar que tem “horror a maconha”, o ex-presidente defendeu a adoção de medidas que substituam a lógica da punição por uma perspectiva de conscientização e que direcionem as ferramentas de combate especificamente para os grupos criminosos organizados.
Como exemplo de medida alternativa, o tucano citou as políticas antitabagistas promovidas em seus dois governos, as quais, segundo ele, resultaram na diminuição do número de fumantes em um período relativamente curto.
“No Brasil, a redução do uso do tabaco foi extraordinária. Não houve proibição, mas realizamos diversas campanhas”, ressaltou o ex-presidente, que também destacou o papel dos tribunais brasileiros no avanço do enfrentamento do problema.
Ministro do STF Luís Roberto Barroso defende a descriminalização da maconha para tornar eficiente o combate ao tráfico. 
Descriminalização da maconha
O ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso defendeu no evento a descriminalização da maconha. Segundo Barroso, o Brasil deveria se basear nas experiências de países que liberaram a cannabis e, com isso, tornaram mais eficiente o combate ao tráfico.

Para ele, a criminalização do uso da droga, em especial em locais privados, fere o direito de privacidade e a liberdade individual do usuário, além de acarretar uma pena desproporcional e não resolver o problema das drogas no país.
“O que se tem que discutir é se a oferta de drogas vai ser controlada pelo Estado ou pelos bandidos”, disse ele ao citar experiência ocorrida nos Estados Unidos. O ministro ainda destacou que a política de descriminalização deve ser planejada e monitorada para que, a partir disso, o poder público consiga aferir os resultados e promover sua ampliação ou redução. 
Uso medicinal
O professor Norberto Fischer contou da sua experiência medicinal com remédio derivado da maconha. Ele é pai de Anny Fischer, primeira brasileira autorizada judicialmente a importar medicamento do tipo.

Fischer viveu o drama de ter de importar ilegalmente o canabidiol, medicamento derivado da maconha, para o tratamento da filha, portadora de uma síndrome que afeta o desenvolvimento neuropsíquico motor, uma epilepsia de difícil controle.
Para ele, há uma grande preocupação do Estado em exercer controle para evitar que a pessoa faça uso indevido do canabidiol. “Essa burocracia acaba prejudicando as pessoas que têm pressa no uso do medicamento. Se conseguíssemos revisitar a Lei de Drogas com o olhar de saúde pública, de impacto social, talvez ela teria outros indicadores mais benéficos para o país.”
O pai vê hoje na judicialização a principal ferramenta para os avanços obtidos. “Um exemplo é o caso da Anny, porque, se fôssemos esperar os trâmites normais, uma avaliação da Anvisa, a resposta seria negativa, porque era proibido. Foi uma decisão judicial que nos permitiu usar o remédio. O papel do Judiciário é muito importante, e creio que vai provocar as mudanças na lei nesse sentido.”
Encarceramento e gênero
Já Fernanda Bassani, doutoranda e mestre em Psicologia Social e Institucional e psicóloga na Divisão de Saúde da Polícia Civil do Rio Grande do Sul, apontou as dificuldades enfrentadas pelas mulheres que visitam cônjuges, companheiros ou familiares nas prisões.

“Em Porto Alegre, foi constatado que quatro a cada grupo de dez mulheres que visitam os presídios acabam se envolvendo com o tráfico de drogas. E não há política pública voltada para essas mulheres. A Lei de Drogas não cuida desse aspecto de proteção da mulher ou da família”, disse. Para Fernanda, “há movimentos díspares sobre a descriminalização. O debate precisa amadurecer. Em termos de política pública tem que ser o homicídio o foco”, concluiu.
A cientista social Nathália Oliveira, do Instituto Terra, Trabalho e Cidadania, destacou que no Brasil mais de 70% dessas mulheres são negras com baixa escolaridade, sem conclusão do ensino médio. Só uma mudança de lei, segundo ela, não consegue resolver o problema, pois tem de ser acompanhada de uma política de inclusão dessas mulheres no mercado de trabalho e de programas sociais.
Ela concorda que “o tráfico de drogas deveria deixar de ser um crime equiparado ao hediondo, pois ele é conexo, não tem violência. Deve-se regulamentar algum tipo de conduta”, sugeriu. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.
Revista Consultor Jurídico, 2 de maio de 2017.

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